MENSAGEM INTRÍNSECA (PRESIDENTE LULA)

Próximo se fazia das oito horas da noite. Sem pressa vestiu seu pijama, escovou os dentes, penteou os cabelos e a barba e dirigiu-se para a sala de vídeo. Sentou-se em uma confortável poltrona colocando os pés num puff e as costas numa pequena almofada de seda. A sala, ampla e elegante, estava repleta de objetos de valor, muitos deles trazidos de longe - memórias vivas de suas andanças pelo mundo. Seu olhar deteve-se numa pequena estatueta de bronze recebida num momento difícil de sua vida pública, onde estiveram prestes a ruir todos os seus projetos mais entusiasmados e audaciosos. Passou a mão na barba como a buscar a realidade daqueles momentos. Seu semblante endureceu ao recordar companheiros que, na avidez de dinheiro e posição, o tinham apunhalado pelas costas. Quantos deixaram cair suas máscaras mostrando desejos imbecis de subestimá-lo. Quantos, mais poderosos, tiveram suas máscaras de ferro arrancadas ao exibirem em suas mãos digitais apagadas pela avidez da ganância.

O televisor acordara-lhe os pensamentos pela chamada do noticiário. Uma mulher elegante de fisionomia austera invadiu a sala, estava rodeada de repórteres e respondia irritada algumas perguntas a ela dirigidas. De repente sentiu-se como que a incorporando – sabia tudo o que ela estava passando - temeu que em sua irritabilidade ela colocasse uma vírgula indevida em alguma frase, o que seria suficiente para que tivesse todo seu pensamento distorcido. Enquanto a mulher falava recordou-se de quantas foram as vezes em que também assim estivera. Não era mais o foco das atenções, mas por muito tempo ainda seu nome estaria ligado a todos os acontecimentos políticos de seu país. De repente lembrou-se de um sonho que tivera e sorriu da mensagem intrínseca que ele deixara - O HOMEM QUE PENSA EM SER PRESIDENTE DEVERÁ PENSAR, PRIMEIRAMENTE, EM SER EX-PRESIDENTE. A princípio desprezara tal raciocínio, mas com o passar do dia passara a buscar a compreensão daquela mensagem. Sorriu ao lembrar-se de um amigo ao qual contara o sonho.

Dissera-lhe ele:

- Amigo você não quebrou a barreira do tempo e sonhou atrasado, ou seja, já eras ex-presidente quando tivestes esse sonho, mas não te preocupes com essa mensagem, inconscientemente já te preparavas para quando esse momento chegasse. Fizeste um belo governo! Mas passe para ela a mensagem do teu sonho!

E sorrindo complementou:

- Quanto a mim se tivesse pensado que viria a ser ex- marido, jamais teria casado!

Brincadeira à parte sentira uma sensação estranha a incomodar-lhe: números, cifras, relatórios, deputados, governadores, etc., passaram em sua mente como coadjuvantes de um grande filme onde era protagonista. Governara seu país por oito anos. Quanta responsabilidade tivera em suas mãos. Quantos sorriram ou choraram às suas decisões.

A vida reservara-lhe o que em sonhos não ousara sonhar. Como poderia, enquanto vendedor ambulante, engraxate, office-boy ou aprendiz de torneiro mecânico, pensar em ocupar o cargo máximo do seu país? Logo ele que tão pouco tempo havia dedicado aos estudos. Jamais! Porém sua vontade determinada de lutar pela igualdade social fizera-o galgar degraus de forma inusitada e logo estava aliado a intelectuais e líderes sindicais a fundar um partido político. Mas e o sonho? Tinha a consciência do dever cumprido. Fizera muito do que tinha prometido durante a sua campanha. Sabia, entretanto, que muito também ficara por fazer. Os anos passaram rapidamente e muitos projetos iniciados não puderam ser concluídos. Passara adiante o bastão, entregando-o em mãos na qual plenamente confiava. Mas e os abutres? Seriam eles descobertos a tempo de não comprometerem todo um trabalho? Só o futuro daria a resposta às suas perguntas.

A entrevista prosseguia com perguntas sobre taxas de juros, câmbio, ajustes fiscais, etc., e para todas elas as respostas eram claras e firmes. Um jornalista, declaradamente da oposição, perguntou sobre os programas sociais, questionando-a se iria mantê-los. Naquele momento ele sentiu-se como um técnico de futebol à beira do gramado desejando entrar no jogo e defini-lo. Levantou-se da poltrona encaminhando-se ao televisor desejando poder alertar a mulher quanto ao que deveria responder, porém ficou dividido pelo tempo e inquieto por não conseguir conjugar, na primeira pessoa, verbos no futuro do pretérito - Na verdade não queria estar absorvendo os problemas como se lhe coubesse solucioná-los. Algumas conjunções incômodas atrapalhavam seu raciocínio. Mergulhado em pensamentos não ouvira tudo o que ela respondera, mas o seu nome havia sido falado ao final da entrevista. Ligou para o amigo perguntando o que fora dito sobre ele. E o amigo disse:

- Ela ao ser comparada a ti, disse que a estrada ainda é bastante longa para alcançar-te e que a continuidade de todos os programas sociais do teu governo é questão de honra.

E em tom de brincadeira complementou:

- Quanto à mensagem do teu sonho, só para ilustrá-la, tu já pensaste se ao invés de ti fosse o Bush que a tivesse recebido? Das duas uma: ou ele teria desistido de candidatar-se a ser presidente ou não teria sido alvo daquela sapatada.

E ambos sorriram ao lembrarem o lado cômico da cena.

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