ZÉ DO SINAL

Trabalhava naquela escola há trinta anos, já. Sabia todos os seus recantos de cor. Conhecia todos os professores. Fazia questão de conhecer todos os alunos. Gerações já haviam passado por ele. E ele continuava ali, sempre ali, tocando o sinal. Sim, ele era o responsável por tocar a campainha estridente que anunciava os inícios e términos das aulas, que avisava que era hora do recreio e também o seu final. As crianças e adolescentes o chamavam “Zé do Sinal”, por razões óbvias. A maior parte deles nunca tinha visto o Zé. Só ouvido o Zé. O Zé era um som, não um corpo. O Zé era um sinal, um alerta. O Zé representava a alegria ou a tristeza; a calma ou a angústia; a paz ou o caos. Ninguém ia embora da escola sem ter sido, um dia, tocado pelo Zé.

E o Zé tinha os seus dias bons e os seus dias ruins, mas ninguém lhe perguntava se estava bem ou se estava mal, porque o Zé, como já se sabe, era apenas um som. Sons não sentem. Mas todos na escola sabiam se o Zé estava em um bom ou em um mau dia, de acordo com a intensidade e a duração da campainha. Se o sinal soasse alto, forte e longo, significava que o Zé estava alegre: provavelmente lhe nascera um netinho novo (sim, o Zé era avô de duas meninas e três meninos, apesar de ninguém na escola saber disso). Mas havia também aqueles dias em que o sinal tocava fraquinho, rápido, meio triste até. Nesses dias, o pessoal da escola comentava, “ih, hoje o Zé não deve estar bem...”. Retificando: sons sentem, sim. O sinal da escola variava de acordo com o humor do Zé, com os sentimentos do Zé, com os altos e baixos da vida do Zé. O sinal era como um “termômetro de ânimos”. E era imprevisível.

Um dia, em uma quinta-feira gelada de junho, a escola abriu as portas às seis horas da manhã, como de costume. Os vigilantes fizeram a ronda, os faxineiros limparam todas as classes, carteiras e lousas, as copeiras fizeram o café dos professores, os professores foram chegando, a lanchonete abriu, os alunos entraram com todos os seus livros, cadernos e hormônios em ebulição. Tudo, exatamente tudo aconteceu como de costume. Ao término da primeira aula, a campainha não soou, como de costume. Os alunos olharam seus relógios, estranharam, estava na hora do final da aula. Reclamaram. Protestaram. Não ouviram o Zé. De repente, soou um alarme diferente. E aquele alarme passou a tocar durante os dias que se seguiram, sempre igual, sempre igual, sempre igual. Depois de um mês, os alunos descobriram, porque os professores lhes contaram, que nunca mais ouviriam o Zé. O Zé falecera na noite anterior àquela manhã gelada de junho. No dia seguinte, a escola instalou um alarme eletrônico. Um som sem sentimentos. Um som sem o Zé.

Clarice Casado
Enviado por Clarice Casado em 03/02/2005
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