Estopim natalino

- Não tente me segurar – rugia o neto mais novo – eu vou embora de um jeito ou de outro.

No corredor da casa de campo dos avós se estabelecia a desordem. Os menos antenados, assustados. Os velhacos, observando.

- Não adianta ir embora – explica o avô atencioso

- Entenda, “vô”! Não posso mais ficar aqui – falava o garoto em tom mais baixo

O avô compreendia o garoto. Também quis dali, por certas vezes, naquela época do ano. Sempre lhe faltou coragem. O sábio avô admirava o menino, contudo tinha o deve de zelar pela paz da sua família.

- Não vá – o idoso disse com firmeza – É uma ordem, não ouse desrespeitá-la.

O garoto voltou-se a platéia de familiares que se juntava ali e disse serena e tenuamente:

- Hoje, em muitos lugares, comemora-se o aniversário do deus egípcio Hórus. Em outros, comemora-se os vinhos do grego Dionísio.

O garoto fez uma pausa, deixando todos confusos. Não disseram nada. A raiva tomava conta do garoto.

- Mas aqui... Aqui se comemora Jesus Cristo, de Israel. E a única coisa que eu vejo são os presentes caros, os abraços desgostosos e as brincadeiras fúteis natalinas. Eu não vejo nenhum amor sincero, apenas sorrisos falsos e blasfêmias pelas costas.

O avô sorriu. De repente gargalhou. Ninguém entendeu. O menino entendeu, sozinho. Em milésimos de segundos o jovem se encheu de energia, sentou e desejou a todos um feliz Natal. O velho se aproximou do garoto, outrora revoltado, e sussurrou algumas palavras no ouvido do rapaz.

É claro que o menino entendeu o motivo da festa, se fazia preciso. Sempre fora preciso reunir a família e jamais deixar que a chama dos laços se apagasse. Uma união de pessoas que se amam, mesmo que por mal traçadas linhas. Mas é claro também que ninguém relevou as palavras firmes da criança, cada um guardou um pouco de si para fazer do Natal algo melhor. Tudo isso fora finalizado com 20 letras sábias do avô, ditas ao pé do ouvido:

- Estou orgulhoso de você.