Dor insana!
 
Era terça feira, meio dia do dia1 de junho de 1999.
Ela esperava o filho caçula, muito querido, para almoçar com ela como fazia todos os dias pois morava no próprio apartamento não muito distante da casa dela.
Brevemente ele passaria  a morar  em companhia da futura esposa,uma moça muito boa  e educada.Eles estavam de casamento marcado para o dia 16 de agosto,dia  do aniversário dele, ultimavam os preparativos para finalmente se unirem depois de mais de cinco anos de namoro e noivado.
 No dia anterior segunda feira, dia 31 de maio, ela entrou no escritório dele e disse ao filho que não estava se sentindo bem, ele sempre fora muito preocupado com ela, mas desta vez continuou trabalhando e não lhe deu a mínima atenção.
Parecia um estranho, nem levantou os olhos do que estava fazendo.Ela estranhou muito,mas não disse nada,sentiu-se pior, se segurou na grade da janela e se retirou da sala,assustando a todos a sua volta pela palidez e tremedeira que tomou conta de seu corpo, faltava-lhe ar, o sangue desaparecera de seu rosto.Imediatamente a levaram para o quarto, onde deitada, lentamente se recuperou mas continuava a sentir uma estranha sensação, que não sabia explicar...
Terça feira.
Meio dia do dia 1 de junho.Hora do almoço.
Ela resolveu telefonar para o filho para saber a causa de seu atraso para o almoço, o rapaz que estava na casa  disse que ele telefonara dizendo que logo chegaria.
Ela ficou esperando durante muito tempo,como ele não apareceu,tornou a lhe telefonar,mas ele não atendeu.
Almoçou,  deixou recado para que almoçasse quando enfim chegasse.
Foi fazer compras com sua mãe e o neto que ela deixaria na escola.
Ao passar em frente a igreja,sentiu uma vontade incomum vontade de entrar,era a igreja onde o filho se casaria.Pediu a Deus proteção para toda a família.
Ao voltar para casa, se surpreendeu coma ausência do rapaz.Ligou para ele,mas foi em vão, ele não atendeu! Deu um telefonema para a portaria do edifício para saber noticias do filho pelo zelador, a resposta veio rápidamente, o carro dele estava na garagem,o zelador havia tocado a campainha do apartamento,mas ninguém atendera, escutou  apenas barulho de água corrente,parecia um chuveiro aberto.
Ela sentiu um calafrio.
Imediatamente juntamente com um funcionário se dirigiu ao apartamento.
Ela possuía a chave, tentou abrir a porta,mas a chave do lado interno estava virada,precisou então chamar um chaveiro.Enquanto o aguardava encostou o ouvido na parede tentando ouvir o que se passava lá dentro.Ouviu apenas barulho de água, começou a rezar desesperadamente,os minutos não passavam...
Quando finalmente a porta foi aberta ela  correu ao banheiro.
Jamais vai esquecer a cena ainda que viva mil anos.
O filho estava deitado, caído no box, a água quente correndo sobre ele, com o olhar parado,rosto tranqüilo!
Ela gritava seu nome,ele não respondia,tomou-lhe o pulso...Transtornada correu ligar para o pronto socorro.Ela não sabe explicar onde encontrou forças para dar o endereço, o numero do telefone, contar o que havia acontecido,pedir instruções.
Então transmitiu a quem a acompanhava as ordens a serem seguidas.
De repente começou a sentir uma intensa dor na garganta, achou estranho aquela dor tão forte e repentina,não sabia o motivo,depois lhe contaram que ela gritava como um animal ferido,mas ela não escutava a própria voz!Se lembra apenas de chamar  o nome do filho, na cozinha dentro da pia tinha um copo no qual ele tomara leite cheio de água,o cd havia parado de tocar...Flashes que ficaram gravados para sempre.
O rapaz que a acompanhara telefonou aos irmãos e ao pai dele contando o ocorrido. Chegaram os irmãos, o pai, e a noiva dele. O desespero foi aterrorizante,todos  enlouquecidos de dor,não aceitavam  a fatalidade.Foi uma cena infernal!A desesperação pairava no ar pesado de agonia e tristeza.A mãe olhava seus outros filhos  e marido sem saber o que fazer ou  falar,estava suspensa no ar...Recolhida!Sentia o corpo pesado como se fosse de pedra,mal conseguia se mover,cambaleava.
 
Retiraram o rapaz do banheiro e o colocaram na cama, ela o cobriu com cobertor para que não sentisse frio,aconchegou-o no colo e chorando o embalava contando historias e cantando musicas infantis. Conversava com ele,quando os médicos chegaram.Com muito esforço conseguiram retirar   a mãe de perto do filho...
Constataram que ele morrera intoxicado com gás de banheiro, a  conhecida “morte branca”.
 Levaram seu filho para o IML, a noiva que era médica o acompanhou,aos prantos assinou o atestado de óbito do noivo,a dor dela era imensurável.
A mãe não raciocinava mais, apenas se dirigiu ao guarda roupa dele, pegou uma calça de veludo, cueca, meias novas e um paletó que ele gostava muito,colocou numa sacola ,não sabe para quem  a entregou aquela seria a roupa que o vestiria pela última vez.
Pegou ainda um bilhete que o irmão lhe mandara  o cumprimentando pela compra de um carro, uma miniatura de um carro da Ferrari sua paixão, e uma imagem de Nossa Senhora Aparecida que ele havia ganhado quando criança e colocou no próprio bolso.
Mais tarde, no necrotério colocou os objetos dentro do paletó dele, para que fossem com ele... Era tudo que ele gostava!
Durante o velório, ela chorava inconsolável,  a dor doía muito,com a camisa dele cobrindo o rosto cheirava o pano sentindo o cheiro do filho. Um frio absurdo tomou conta dela, amigos trouxeram cobertores. Ela não via mais nada a não ser o corpo do filho inerte. Uma lágrima  estava nos olhos dele,ao tentar enxugar a lágrima  um cílio dele saiu em seus dedos,ela ficou em duvida, se a lagrima era sua ou dele.Daí para frente só se lembra  do momento que agarrada a filha, viu o filho pela última vez...
Passou a viver dia e noite o pesadelo...
Em casa,sentia que ia morrer, sua respiração era irregular, o médico foi chamado  e aplicou uma injeção de calmante,pouco adiantou,logo despertava desesperada queria acordar,sair daquele horror,rezava para que tudo tivesse  sido um pesadelo, mas não era...
Queria morrer para parar de sofrer, e quase conseguiu...No meio de uma
 crise de desespero,  seu coração e respiração foram enfraquecendo,
diminuindo, ela estava feliz em partir como  o filho, seu genro que estava próximo   percebeu que ela estava morrendo e alertou  os que estavam a sua volta,assustados lhe  fizeram massagem,a chamavam com insistência, conseguiram  a muito custo que seu corpo e mente reagissem. Durante muitas semanas o  rosto dela permaneceu marcado com vergões vermelhos, queimado pelo calor e sal das lágrimas que caiam sem parar.
Isso aconteceu a  treze anos ,diariamente ela lembra do filho  e reza por ele. A tristeza  a acompanha até hoje,tem recaídas violentas,basta um detalhe para desencadear uma angustia imensa,agora  mais controlada, mas latente...Procura ser discreta para não entristecer seus filhos e neto, mas nem sempre consegue,eles também já sofreram muito.
Alguns dias o pesadelo surge com força, ela luta para tentar apagar a cena que levou um pedaço dela, de sua alegria, de sua vida, mas nem sempre vence as  amargas lembranças que ficaram marcadas na sua alma!Quando sonha com o filho, não sabe definir seus sentimentos, sente alegria por ter sonhado e de certo modo matado as saudades que sente dele e a amargura da falta dele.
Então, triste se recolhe por algum tempo para lamber as feridas que   sangram,felizmente elas  estancam por algum tempo,e ela volta a viver,mas seu sorriso largo e espontâneo se foi para sempre...
Pobre mulher...
 
M.H.P.M.