Bagatela.

Hoje confesso que fiquei emocionado com um caso da Assistência Judiciária. Não fossem dez surrados anos de serviços prestados na assistência, poderia ter balançado como o fiz em tempos idos. Frutos da inexperiência. São legais...

Era artigo 155 seco. Pegou dois sacos de cal que estavam ao lado de uma caçamba de entulho na frente de uma casa numa rua qualquer de um vasto Brasil de meu Deus, dois sacos de cal já pedrados, em meio a detritos de construção, fora do horário de expediente.

Pegou os sacos e foi pra casa, “consertar um “negócio” lá. No caminho, como já era conhecido, fora abordado pela polícia e disse mais:

“Os cal era pra tentar consertar um negócio lá em casa!”.

Os policiais, raciocinando logicamente, decidiram por bem rumarem para a Delegacia, a fim de averiguarem melhor o ocorrido.

Mas que delegacia do caralho que nada, disse um dos ditos oficiais. Foi só o tempo de socarem o Cara Seca no camburão e rumar ate o “canavial”, sabe-se lá pra que. Cara Seca sabia, ah se sabia. No duro que sabia. Veterano no ramo, só de ver a rota inicial, gelou. Canavial era surra nervosa! Que Deus protegesse Cara Seca, disse de si para si, tremendo, suado e sangrando, encolhido e torto num camburão enferrujado, num dia que nem ele sequer teve tempo de lembrar qual era...

Nascido em 22 de janeiro de 1.979, aparentava 60 anos, sem dentes, magro e sofrido, dava pena...

Era do tipo que se ficava a imaginar quanta besteira o cidadão não deva ter feito.

Mas a raiva maior não era do cara, um pobre diabo, diga-se de passagem, mas de todos os covardes que durante toda a história parasitaram em detrimento daquele que ralou o couro para sustentar sua prole, daquele que viu sua família morrer de fome sem poder fazer nada; o velho que, como cantado espetacularmente pela Legião Urbana, “trabalhou honestamente a vida inteira e agora não tem mais direito a nada”; a criança que morre de fome, diariamente, aos montes! Diariamente! Diariamente! Parece ficção, mas é real, é real, real, real...

Tudo é bagatela pra quem subtrai, dizia a autoridade.

Enquanto isso mais uma mãe do “País dos banguelas” chorou a perda de seu filho, num enterro público, onde a chuva caía violentamente...

SAvok OnAitsirk, 18.01.12.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 18/01/2012
Reeditado em 19/01/2012
Código do texto: T3448376
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.