Sugestionável.

O médico disse que ele era sugestionável, que chorava com facilidade e raramente mantinha opinião firme sobre qualquer fato ou ato da vida.

Ele ficou preocupado. No começo não disse nada, apenas olhava para a boca murcha e o bigode amarelecido de tabaco do médico. Não sabia se acreditava ou não no respeitado psiquiatra. Deixaria para pensar depois que tudo se normalizasse. Agora a coisa estava feia.

Para falar a verdade ele nem ao certo sabia no cunho vernáculo o significado do termo sugestionável. E nem porque aquele maldito velho de boca murcha insistia em repetir-lhe em todas as consultas que o mesmo era sugestionável.

Naquele dia, depois do terceiro encontro, fixou a palavra na memória e quando chegou em casa foi logo ver no dicionário. De acordo com o mini Aurélio Buarque de Hollanda de bolso, sugestionar (não tem sugestionável) é “produzir sugestão em.”

Ficou encabulado e continuou ainda sem compreender integralmente o termo (tinha vergonha de perguntar ao médico, que era tido como sabichão).

Um dia, porém, criou vergonha na cara e perguntou. O mesmo sorriu e logo se aconchegou na cadeira.

“Pensei que nunca ia perguntar. Como não estamos aqui de brincadeira, você sabe bem disso, e cada homem que pisa este globo terreno carrega dentro de si sua inquestionável individualidade, muitos, porém, pelos mais variados motivos e circunstâncias, grande parte crianças, logicamente pela sua imaturidade, deixam de lado essa marca da individualidade para cantar o bordão da maioria. Isso não significa, quando digo individualidade, que é cada um por si e Deus contra todos, como canta Titãs, não. A individualidade é imprescindível para o bom funcionamento da máquina, tanto a máquina estatal, que prescinde da coragem e dedicação ímpar de seus líderes, como a máquina corpórea e psicológica. O homem que pensa por si mesmo, que constrói um universo dentro de sua cabeça, raciocina e indaga, e é a peça chave que fez com que a humanidade alcançasse o patamar atual de evolução. Enquanto a massa cega e surda prevaleceu, imperou-se as trevas. A “luz” veio no momento em que alguns homens começaram a desatar os nós da ignorância, propondo a liberdade de expressão e pensamento (Liberté, Egalité, Fraternité) como única forma de a humanidade se livrar das amarras do obscurantismo.

O homem quando deixa de pensar por si, quando teme o próprio pensamento, e se recrimina, se martiriza por isso, se reduz em sua personalidade como que se fosse o fragmento e expressão de outro. Torna-se coletivo, sem idéias próprias, sem opinião própria, sem imaginação ou alternativas cabíveis para uma raça que se esgoela desde tempos imemoriais para alcançar dia-a-dia a melhora para o hoje e o amanhã. O sugestionável evita a fadiga do pensamento e teme o erro, por isso se padroniza naquilo que é dominante. Não que eu esteja tecendo uma crítica contra sua pessoa em si, longe disso, sou seu médico e tenho que te falar a verdade. Minha insurgência é contra a maioria que prefere e se contenta em ser mais um sectário do bando, ao invés de erguer o pescoço, respirar ar fresco e ver o que ocorre lá fora da "caverna". Portanto, meu caro, você é sugestionável sim e precisava ouvir isso para ver se começa a pensar diferente, por si mesmo. Caso contrário passará a vida se remoendo dentro de si, tremendo e temendo tudo e todos, se achando sem direitos, inclusive o direito de ser feliz, de ser você e de imprimir isso a ferro quente nesta Terra de todos. Faça o que seu coração manda e pense sempre por si e no bem geral. Se tiver que fazer alguma coisa, faça logo, leia os clássicos, cante, dance, escreva a história de sua vida, faça uma viagem sem cronogramas, diga a alguém que a ama, abrace um velho desconhecido na rua, trabalhe com alma e naquilo que realmente te dá prazer..."

Nisso, o paciente, mesmo sem esperar o psiquiatra terminar seu desabafo empolgado, ergueu-se, balançou a cabeça, como que para se certificar que havia algo lá dentro, virou as costas e foi-se embora, sem mesmo se despedir, não se sabe se para casa, "Pasárgada" ou um boteco qualquer, a fim de molhar o bico e ver no que dava... Afinal, como ia dizendo, falando sozinho: "não sou um sugestionável..."

SAvok OnAitsirk, 27.01.12

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 27/01/2012
Reeditado em 27/01/2012
Código do texto: T3464360
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