Campo de Batalha

Meu corpo inteiro dói. Onde eu estou? Esse chão é frio, tento abrir os olhos, mas é difícil, eles não abrem. Parecem pesar mil quilos minhas pálpebras. Meu corpo inteiro dói.

“Qual o seu nome?”

Meu nome? Meu nome é... Eu me chamo... Eu não lembro. É João, Joaquim, José... É algo com jota ou que parece jota. Definitivamente tem jota no meu nome. Não tem?

“Homem ferido...”

Um homem, um capitão ou alguma dessas patentes militares, abriu meus olhos com as mãos. Eu acho que é um capitão. Seus olhos eram como lanternas que emitiam uma luz forte nos meus olhos e eu não os conseguia fechar. Agora já enxergo tudo, não lembro como me feri, mas sei que estou dolorido e deitado. Dolorido e com sono. Muito sono...

“Qual o nome dele?”

Acordo com pessoas conversando. Um homem, outro capitão ou o mesmo, não, com certeza era outra pessoa, mas com a mesma roupa conversava com uma mulher. Uma mulher soldado ou vestida de soldado.

“João”

Então me chamo João. Sabia que era com jota. João. Meu nome é João. Então o capitão se aproxima de mim. Os mesmos olhos de lanterna em meus olhos. Eles doem quando você joga essa luz em mim capitão! Ele pega a minha mão e eu não consigo me desvencilhar. Logo ele passa um metal gelado nela e também nos meus pés.

“Só vai depender dele agora. Ele tem que lutar.”

Mas capitão! Como eu vou lutar se eu nem consigo me levantar! Meu corpo inteiro está doendo, você não percebe?! Mulher, diz pra ele!

“João, você tem que lutar meu amor.”

Meu amor? Eu te conheço? Ela segura a minha mão e consigo sentir suas lágrimas quentes molhando minha pele.

“Com isso ele vai poder lutar.”

Falou o capitão enquanto me entregava uma arma. Essas de filme americano do Vietnã. Então olhei em volta e vi que estava em uma trincheira. Atrás de mim um campo verde, lindo e tranqüilo, a minha frente um campo de batalha imenso com bombas explodindo. Tentei andar para trás, mas aquela mulher segurou minha mão.

“Não desista. Lute comigo.”

Se fosse por ela, eu lutaria. Adentrei no campo de batalha atirando contra tropas inimigas. Ainda sentindo a mão dela segurando a minha, avançava por entre crateras de bombas e arames farpados. Consegui vislumbrar ao longe uma luz, mas uma explosão me tirou do caminho me jogando longe. A dor que senti era insuportável e tentei gritar, mas nenhum som saiu de minha boca.

“Meu menino!”

Mãe? Mãe eu to com muita dor... Mãe... Mãe? Estava novamente na trincheira com uma arma na mão. Fiz menção de ir para os campos verdes, mas escutei uma voz.

“Vamos lá meu filho, eu sei que você pode.”

Pai? Pai, cadê a mamãe? Ela tava aqui agorinha... Está bem pai. Corri para o campo de batalha somente para ser alvejado várias vezes antes de cair no chão morrendo de dor.

“Teresa, não houve alteração?”

Teresa... É o nome da mulher. Que nome lindo. É a mulher que segurou minha mão por toda a batalha...

“Ele tem lutado muito, mas não tá conseguindo.”

Isso amor, diz pra eles. Eu preciso de ajuda. Sozinho eu não vou passar por todas aquelas bombas.

“Ele sempre foi um guerreiro.”

Mentira! Eu nunca tinha pegado numa arma antes. Por que ninguém vem me ajudar. Teresa, cadê você? Mãe? Pai? Por que eu to aqui sozinho? Eu não vou conseguir sozinho...

“Vamos querido, você consegue superar. Isso não é nada.”

Eu estou tentando amor, mas as bombas... Você ficou do meu lado! Você viu como eu tentei! Meu corpo todo dói. Deixa eu ir pelo outro lado. Deixa eu ir...

“Ele não está conseguindo.”

Não estou mesmo capitão. Já estou tão cansado. Todo dia aquelas bombas, a luta, a correria. To ficando muito cansado e meu corpo cada vez mais dolorido.

“Ele tem que lutar. Você tem que deixar ele lutar.”

Não mãe! Deixa eu ir pro outro lado. Deixa eu sair do exército, deixa eu parar de lutar. Por que você não deixa eu ir? Mãe...

“Ele é meu filho e não vou deixar que você desista dele!”

Meu pai está discutindo com a Teresa. Eu acho que ela quer pedir ao capitão que me deixe ir embora do exército. Por que meu pai não deixa? Eu já estou cansado demais. Minha cabeça lateja como um sino, meus braços e pernas estão ardendo e meu peito parece ter uma faca enorme enfiado nele. Deixem eu ir embora daqui...

“Você não ama ele!”

Não mãe, ela me ama. Ela tentou me fazer passar pelas trincheiras, mas eu não consegui. Ela ficou muito tempo aqui, comigo, segurando minha mão...

“Você que não entende!”

Não briguem.

“Deixe ele lutar! Ele é forte! Ele vai conseguir!”

Não mãe, já estou cansado. Cada tiro que eu levo, cada bomba que explode. Você não sabe como dói.

“...”

Silêncio. Mas eu consigo reconhecer os roncos do meu pai. Se ao menos eu pudesse fazer ele me escutar. Junto toda minha força tentando erguer meu corpo. Era como se um elefante estivesse em cima de mim. E ainda deitado, com toda dor do mundo eu escuto sonoramente alguém falando:

“Pai.”

“Filho?”

“Me deixa... ir...”

“Alguém ajuda aqui!!”

“Ir pra onde filho?”

“Estou cansado, não quero mais lutar.”

“Alguém, por favor ajuda aqui!!”

“Não que...ro... mais...”

“Por favor!”

“Me... deixa...”

Eu nunca tinha ouvido meu pai chorar antes. Enquanto lentamente sentia o calor da mão de Teresa soltar da minha, sem dor dei meu primeiro passo em direção aos campos verdes.