Vincente, após tudo.
I-
Tantos os caminhos, alguns tortos e outros certeiros e era ali onde tudo parou, uma cama de hospital; aos seus 85 anos de idade escapara da morte de tantas e diferentes maneiras que alguns dos doutores acreditavam que escaparia novamente. Os diagnósticos e exames agora não o davam esperança de mais que algumas horas de vida e sabia que deveras a sua hora final estava por vir.
O triste olhar de sua esposa que, quatro anos mais nova, o fazia pensar em como aquela mulher que por um acaso não mudara muito, conseguira viver com um homem com hábitos e estilo de vida tão obscuro e destrutivo quanto o dele.
As lágrimas nos olhos eram o pior mártir que enfrentou, como constatava agora; cansaço abatia sobre a sua companheira, na pele pouco flácida e o cansar na expressão por tantas vezes o ver encrencado e sofrendo.
Sem saber como confortá-la e a salvar de sua agonia, em alguns momentos entre os de perda de consciência e plenitude torcia para que seu fim fosse consumido de uma vez para não mais ver aquilo.
-Não fique assim meu anjo...- Falou o homem em sua cama, até falar parecia mais difícil do que imaginava.- Uma hora isso viria a acontecer.
Ao ouvir a voz de seu homem, as lágrimas não se detiverem em percorrer lhe o rosto incontroláveis em cada curva até que caiam sobre as mãos dele.
-Isso é só minha volta para casa, quando for a hora nos encontraremos lá, quem sabe não venha eu te buscar...- uma risada fraca num esboço de sorriso cansado vinha do velho. -Venha, vamos dormir.- disse ele finalmente, sabendo que não acordaria.
Sabendo que na manhã seguinte Vincente já não estaria vivo, os médicos e enfermeiros passaram por cima do protocolo permitindo que a Senhora se deitasse ao lado do esposo e assim ficassem juntos no ultimo momento. Todos deixaram o quarto, a velha Esposa de Vince (como era conhecido por todos), dera um beijo nos lábios trêmulos dele e ficara com a cabeça em seu peito como durante anos dormiam juntos, não faltando nem o afagar dos seus cabelos por ele.
E então, finalmente a manhã, por volta das 10 horas despertara na mesma posição a qual dormira na noite anterior, ele não.
Não quisera saber a causa da morte de seu esposo os que cuidavam do seu caso não se contrapuseram, apenas a deixaram em paz.
Dois dias depois como sempre fora desejado, nada de um enterro comum, seu corpo fora colocado num local e coberto por terra, assim estaria voltando ao ciclo da natureza, reciclando a velha existência, nunca desejara memoriais e coisas do tipo.
II-
Dois anos se passaram e no mesmo hospital estava ela internada, a senhora de cabelos todos grisalhos e de sempre triste olhar, no passado, não tão distante fora conhecida por sua força e resistência contra todas as situações, até pela vida de seu marido ser corrida e colocando-a numa vida agitada. Naquele momento, acabada, como sem razões de viver.
E perspicazes os médicos sabiam, -Ela não deseja mais viver.-; desde a morte de Vince, sua saúde se degradava e oscilava em quadros clínicos críticos, existia tanta piedade daquela mulher, embora só o que pudessem fazer era reconfortar sua dor física e nada mais.
Numa madruga, a Senhora despertara, um sonho estranho foi o motivo, ruídos baixos como sussurros estavam a ir e vir, nada incomodo e na verdade a agradara como nada desde dois anos atrás.
Sentou-se com dificuldade na sua cama, uma figura estava encostada na porta, deixando um vão triangular no espaço entre seu corpo e o local onde estava encostada. Aquilo lhe era familiar, sim, tal como seu Esposo sempre fizera; uma palpitação forte em seu peito, como se esperasse por algo, uma palavra de quem estivesse ali, arrepiando-se ao lembrar que antes de partir, Vincente dissera que talvez a viesse buscar.
Um sorriso vindo daquela figura clareou o local e tal como seus olhos e postura, agora visíveis, Vincente então estendeu a mão a modo de esperar que ela fosse até ele, fez com que a senhora sorrisse de volta.
Tal como deixara claro no dia da morte de Vincente, Helena fora enterrada no mesmo local e mesma maneira de seu esposo e com a tristeza daquela história de amor, todos os que acompanharam aquela situação a anos decidiram por plantar uma muda no lugar onde os corpos foram enterrados.