O réquiem da Lira; A história de Ariel.

Há muito tempo não vejo aquele olhar, no rosto cético daquele rapaz; de certo não o conhecia bem, embora sua singularidade tenha surpreendido a tantas como eu. Suas tentativas que nunca consegui interpretar a intenção, ou poderia dizer que ninguém entendera. Realmente não era alguém que se expressava bem oralmente, aquele jovem, contudo era um mestre nas palavras escritas, é claro a seu próprio estilo, mesmo tendo sido tanto rejeitado em suas tentativas de ganhar a vida com suas obras. Lembro me de ocasiões, ora, como tantas vezes...

Chegara à editora ensopado, o céu despencara naquele dia, sem falar das avenidas com água batendo nas canelas de quem passava; seu rascunho embrulhado em sacolinhas baratas de supermercado, bem, não era uma pessoa com muitos recursos e/ou não se importasse mesmo com a aparência das coisas como todos pensamos. A primeira impressão das pessoas naquele prédio não eram muito favoráveis para ela, e sua frieza para com todos e o olhar de caçador à espreita consternava quem não era acostumado.

- Ai está, meu livro, foi só o que disse deixando o pacote na mesa de uma secretária, embora já houvesse enviado material antes, nunca fora pessoalmente e por alguma sorte conseguira contato virtual com um editor que prometera ler seu texto. Enquanto se dirigia à porta ouvira a mulher dizendo que ele voltasse em uma semana, não seria nenhuma surpresa se ele não aparecesse, a pobre mulher espantada com o rapaz mal sabia se ele a tinha ouvido.

Além das expectativas, sim ele voltara, e tentava esconder sua ansiedade, se é que estava ansioso, não sei bem, não o compreendia... Enfim, ali estava o jovem, novamente causando choque, vestido de terno, alguém totalmente social, tirando o absurdo chapéu bege em sua cabeça que causava total contraste na figura que apresentava, ficara ali cravado perto à porta, logo a secretária o reconhecera e o levara imediatamente até a sala do editor chefe do lugar, onde se sentara rapidamente na cadeira em frente a mesa do mesmo. Este nem se quer tentou esconder a surpresa que aquela boina bege causou, o homem de olhar profundo e rosto sério tentou esboçar uma brincadeira, recebendo uma resposta fria e inesperada, - Sei que ela é ridícula, mas era o que tinha para mim hoje.

-Sinceramente... Não esperava ver um jovem como você... E...

-E meu texto não é bom o suficiente? Atirando logo à frente a questão que o trouxera ali, queria obstinadamente receber mais uma resposta, e esperava que dessa vez fosse positiva.

-Entendo, você não é alguém com muito ‘tempo’ não é? Bem apressado! Seu texto é ótimo, você escreve de uma forma única e muito interessante.

-Mas? Interrompeu ele.

-Espere! Não vai me deixar terminar? Indagou o editor que não gostara da forma seca do rapaz o interromper, -Mas você sabe, são outros tipos de texto que estão rendendo mais, você entende com certeza, é esperto demais para não entender! Se trouxer um texto com um tema mais popular te garanto e com a qualidade desse que deixou aqui comigo, publicaremos sem nenhuma dúvida.

Tirando o chapéu e coçando a cabeça, se levantou sem pronunciar palavra alguma, colocou uma das mãos no bolso e largando a boina sobre a mesa à sua frente. Alguns instantes de silêncio depois, quebrou o clima estranho de incomodo (que o editor sentia) e tirou algumas moedas, atirando-as sobre a mesa.

-Sempre é disso que se trata? Adoraria receber uma resposta de que meus textos são um lixo, que sou um mau poeta, ao invés disso.

E novamente surpreso estava o homem à sua frente.

-Eu sei que poderia fazer uma porcaria como essa, de tema ridículo. Disse ele pegando um livro que estava numa estante do lado esquerdo da sala,- Não eu não quero isso. Atirou o livro também sobre a mesa, se dirigiu à porta. O editor ficara consternado com aquilo que acabara de se passar em sua sala, notara que a personalidade do rapaz era difícil, portanto conteve a raiva que brotara e o deteve:

- Espera! Não vai pegar seu rascunho de volta? Seu dinheiro!

-Não eu não preciso disso. Disse ele saindo, e alguns instantes depois voltara, - Se bem que... As árvores!- disse ele pegando o seu rascunho que estava ali, próximo ai livro que atirara sobre a mesa. Pegou também o livro e o colocou novamente na estante. –Boa tarde senhor. Disse ele finalmente, terminando de deixar o homem de quarenta e tantos anos boquiaberto.

-Seu dinheiro!

-Não preciso disso eu já disse... E finalmente deixara o lugar, esquecendo também sua boina.

Foi essa, uma das ocasiões estranhas em que Ariel, jovem escritor protagonizara, e há muito o que se contar deste rapaz.

Ariel Lira
Enviado por Ariel Lira em 27/03/2012
Código do texto: T3579141
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