Anjo Caído.

Sem muita esperança sob o sol da uma e quinze da tarde, olha a gaveta e vê um maço de cigarros. Rejeita fumar. Não pode entregar suas dores a algumas tragadas na fumaça. Ficou sabendo que o jogador Neymar comprou um iate de 15 milhões de reais. Simples para a categoria, e o batizou com o nome de sua mãe. Enquanto do lado de cá da realidade vê os mosquitos recobrindo o resto de comida na pia e ouve pernilongos zumbindo ao redor de seus ouvidos.

Vê também os livros no canto e pensa em quanto conhecimento adquirido, tanto tempo, dias e noites entregues à leitura. Como uma esponja, ia absorvendo tudo ao redor, olhos estatelados na madrugada, com a cabeça se recusando a desligar. Muitas vezes pensou em enfiá-la no vaso sanitário e acionar a descarga.

Tenta mais um banho, pensa na patroa, no resguardo do sexto filho, ensaboa e escova os dentes e tenta não pensar em mais nada. Tentativa infausta. Mais uma vez procura o desligamento do planeta, desligamento deste corpo que insiste em prosseguir inexoravelmente, exigindo calorias e carboidratos, doa a quem doer. Lembra-se daquela menina que roubou um pacote de bolacha e foi parar na Fundação Casa. Estava com fome e acabou presa. E roubam tanto por aí, tanta coisa grande...

Há pouco um grupo de adolescentes passou na calçada, levando tudo que havia pela frente. E falavam tanta besteira que a vontade era de esbofetear um por um até que recobrassem a razão. Por sorte não saiu da imaginação. E pensar se pode tudo.

Tem gente que faz das tripas coração para alcançar mais um dia pela frente. Lança os braços e tenta agarrar o amanhã como se fosse sua última presa num ambiente inóspito. Agarra o fim da noite pelos braços, quando o sono vem, olha pela última vez o relógio, para fixar na mente a hora que deita e a hora que tem que se levantar, recosta bem a cabeça no travesseiro, suspira, fecha os olhos e dorme feito um anjo caído.

SAvok OnAitsirk, 03.04.12.