Sopa Knorr.

Sopa não queria dar explicações e nem esperava que acreditassem nele. A vida que levava há muito era uma vida de cão. Agora, aos sessenta e dois anos de idade, notava que perdia a paciência e se questionava a respeito de sua sanidade mental.

Toda sua vida, recorda, fora uma grande tragicomédia em que ele era o protagonista, para não dizer o palhaço. Quando criança, logo que entrou no colégio, botaram-lhe o apelido de Sopa, devido ao fato de que era sopa passar-lhe a perna. Todos riam da sua cara, batiam em sua cabeça e tiravam o maior sarro.

Era o famigerado bulling, que Sopa sobia bem o que era.

Mas não esperem que Sopa tenha ficado louco e atirado contra uma escola, não. Sopa tinha medo de armas e facas. A todo tempo sofria calote e era uma vítima marcada dos estelionatários. Por sorte nunca teve muito dinheiro. Não se sabe se seus parcos rendimentos foram ou não ocasionados por sua incompetência no lidar, ou ativar seu “lado esperto”, e esperteza era uma palavra que não conhecia.

Um dia casou-se com Quindinha, a mulher com quem passou quarenta e dois anos de sua vida, sem filhos.

Não bastando todos os contratempos, Quindinha era mulher sistemática, insatisfeita e perfeccionista, e durante todos os anos, meses, dias, horas, minutos e segundos dos quarenta e dois anos casada, fez da vida de Sopa uma sopa rala.

Mesmo que não tivesse a mínima aptidão para o que quer que fosse, Quindinha, que pelo estereótipo parecia um “ursão de pelúcia”, tentou colocar o marido nos eixos, ciente de sua condição de bunda mole.

Primeiramente fez com que voltasse a estudar. Não adiantou, Sopa era burro demais para aprender qualquer coisa, e, além disso, não tinha ninguém de quem colar ou mesmo uma boa alma que fizesse seus trabalhos escolares. Enfastiado e mais uma vez frustrado, largou os estudos.

Depois Quindinha pensou que o problema estava na falta de Deus na vida do marido, e resolveu intimá-lo a freqüentar a missa todas as noites com ela. Que nada, Sopa até foi, mas deu bafão demais quando tentou guardar a hóstia no bolso para “comê-la” em casa, com molho de pimenta e maionese. Foi o maior escândalo, chocando a população, principalmente quando uma beata correu atrás dele e inclusive o ameaçou de morte, “ateu desgraçado!”.

Depois de mais de vinte anos de casados, os quais Sopa tentou se adaptar em algum tipo de profissão, dona Quindinha, que era professora de Biologia e mantinha a casa, resolveu abrir uma mercearia para que o mesmo tomasse conta.

O estoque de vinte mil reais desapareceu nos seis meses. Sopa virou pinguço e bebeu tudo que continha álcool. Fez até “amigos”, que iam lá beber as suas custas. Amigos, observa-se, conseguidos apenas no período em que estava com o bar. Depois que acabou o estoque de bebidas, todos se debandaram para outras fontes parasitárias, deixando Sopa bêbado e sozinho, com Quindinha a atazanar-lhe os dias.

Os anos foram passando e Sopa sobrevivendo de bicos, favores e ódios diários. Sua bile azedava e sua indigestão era freqüente. Brotaram-lhe olheiras gigantescas, quase que pintadas a óleo, seus dentes se transformaram em cacos pendentes, meio enegrecidos. Suas pernas tremiam e seus nervos estavam em frangalhos. Não havia medicamento que sanasse sua chaga, a doença dos incapazes, das pessoas as quais a sociedade repele inconscientemente, talvez, silenciosamente, em todo o transcorrer de suas vidas. O sistema não dizia às claras, mas veladamente deixava entender que pessoas como Sopa não seriam aprovados em seus quadros e nem obteriam créditos. Jamais seria chamado para a Maçonaria, o Lions e outros clubes bestas e associações de famílias e classes sociais. Não seria aprovado em concursos públicos, já que não tinha nenhum dos requisitos exigidos para tanto, nem cabeça, nem memória. Tinha educação rudimentar, vontade, isso tinha, mas não era o suficiente. Tinha o “amor” de Quindinha, mas que ficava na dúvida se aquilo era ou não amor?

Por fim Sopa percebeu que era um pulha, um pau mandado, um projeto de gente e propriedade animal de Quindinha Faxina Raboni, italiana severa e pouco higiênica.

Na tarde de seis de abriu de 1.979, depois de bater com a cabeça na porta da geladeira, Sopa olhou pela janela e viu o sol com os braços abertos e um largo sorriso lhe chamando para fazer uma caminhada...

Tirou as roupas e saiu andando, em busca do sol, nu com as mãos nos bolsos invisíveis de uma vida de fantasia...

SAvok OnAitsirk, 06.04.12.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 06/04/2012
Código do texto: T3597850
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