Limites, uma história sobre adolescentes

I

Lucas e Frederico possuem muitas coisas em comum. Têm idade e altura semelhantes, estudam na mesma escola e seus gostos são bastante parecidos.

Contudo, o que parece ser mais importante na relação dos garotos talvez seja realmente o fato deles se considerarem os melhores amigos do mundo.

Neste sentido eles se portam e se comportam exatamente como dois mosqueteiros. Entre eles é sempre um tal de “um por todos e todos por um”, como na inesquecível história de Athos, Porthos e Aramis, do frances Alexandre Dumas.

Na semana passada, no entanto, a professora de português – uma “santa” que insiste em tentar ensinar aos meninos os rudimentos da gramática e algumas das boas práticas da vida – fez-lhes a entrega do boletim escolar.

Os boletins não estavam de fato muito “apresentáveis”. E desta vez o Lucas conseguira mesmo se superar: uma de suas notas estava entre as piores da turma.

Mas apesar dos pesares, na volta para casa os garotos vieram como de costume caminhando juntos e cheios de energia, fazendo muito barulho, rindo e contando casos. Aproveitaram também para retardar o mais possível a chegada as suas casas e o encontro com as respectivas mães.

Tanto foi assim que na última hora o Lucas até resolveu acompanhar o Fred em sua peregrinação pessoal.

E na casa do amigo ele presenciou a seguinte cena.

II

Assim que entregou o boletim para dona Thereza, o mundo de Frederico meio que desabou. A mulher babou e ralhou e xingou e matraqueou até finalmente concluir:

- Foi a última vez, “seu” Frederico, a última vez!

E ela ainda expôs diante do melhor amigo do filho uma série de ameaças que se estendiam desde a retirada do computador e do fiel companheiro do garoto (o videogame preto) até ao estabelecimento de um tenebroso e desconhecido inverno quase nuclear.

E - à parte tudo isto - surgira igualmente com força uma terceira possibilidade: a exclusão definitiva da “mesada” que o pai dava semanalmente ao menino.

Depois de presenciar aquilo tudo, restara ao jovem Lucas pegar a sua mochila, se despedir e seguir no rumo do seu próprio suplício e calvário.

Era a sua vez de sentir no corpo e na alma os “estragos” que aquele boletim iria lhe causar.

III

Pois bem. Logo que colocou os pés dentro de casa, o garoto deu de cara com a mãe. Ela estava na cozinha e parecia disposta a preparar o almoço da família.

Sem demora o garoto apresentou para ela o “fantástico” boletim.

A mulher, no entanto, lançara apenas um olhar desinteressado na direção do papel e continuou a preparar a comida.

- Deixa lá encima da mesa que daqui a pouquinho eu olho. Estou ocupada agora...

- Mas é o meu boletim, mãe! O boletim, entendeu...?!

- Entendi. Pode deixar aí mesmo. Assim que terminar de passar esses bifes, dou uma olhada nele. Pois imagino que você deve estar com fome. Com certeza deve estar.

- Mas mãe – cortou-lhe o garoto – nós precisamos conversar, precisamos resolver isto de uma vez! Não vou conseguir esperar a senhora terminar o almoço. Além do mais, a comida é capaz até de me fazer mal...

Então dona Iracema - a mãe do adolescente - segurou o boletim entre os dedos, lançou nele uma rápida olhadela e concluiu:

- Tudo bem, se era isso que você queria, já está visto.

- Mas – e aqui o garoto se revoltara definitivamente! – mas a senhora não viu as notas? Não percebeu? Estão baixas, baixíssimas! Neste trimestre estão piores que no anterior... Piores até mesmo que as do meu amigo Fred! E você não vai falar nada? Não vai fazer nada?

- Falar o que, meu filho? O que você quer que eu faça, Lucas?!

- Qualquer coisa, mãe! Você poderia fazer, por exemplo, como fez a mãe do Fred: podia me xingar, me botar de castigo e até me proibir o videogame! Mas não: vai deixar tudo do jeitinho que está! A mãe do Frederico só faltou mesmo foi pregá-lo na cruz e a minha não faz nada! Com a senhora tudo tem que ser diferente mesmo, né!? Ah, nem – resmungou o adolescente desconsolo - dá até vontade de trocar de mãe...!