Filho da Pátria.

Desde criança demonstrava caráter intransigente, mas psicólogos e psiquiatras diziam tratar-se de mais um dos milhares de casos de hiperatividade por aí diagnosticados pela doutrina.

O pai nem queria mais saber. Fugiu pro mundo sem deixar eira nem beira, mais louco do que o mais louco dos loucos, se é que entendem.

A mãe, perdida, do lar e sozinha, teve, como a maioria das mães em casos análogos, de dar conta do cabo. Teve dia, apesar do sol tórrido de um dia qualquer, que viu a noite fria na sua frente, e, para não ficar demente, tomou um chá quente e pediu uma dose de pinga à vizinha lasciva.

Crescido em creches e casas de abrigo, José, mais conhecido como José Droguinha, foi a vítima da vez do sistema insalubre. Comeu o pão que o diabo amassou e achou gostoso, em comparação ao pão que lhe davam em casa.

Aos doze perdeu as estribeiras na beira do asfalto, tentando vender chicletes ploc.

Aos quinze começou a vender a alma pro capeta, e em retribuição recebia uma pedra de crack por dia.

Aos dezesseis tinha conta de que não havia crédito para si e muitos menos para seus comparsas famintos e esqueléticos.

Aos dezoito tinha tantas cicatrizes no corpo que desistiu de fazer sua primeira tatuagem. Já era maior e cansado.

Aos vinte perdeu toda a arcaria dentária, despejada numa vasilha enferrujada no fundo de uma garagem.

Aos vinte e cinco era repelido como inseto pelo sistema, e nem a fome, a sede e a doença mais comoviam quem ao qual pedia um trocado.

Aos trinta tinha cara de sessenta, mais demente que o Papa Pio XVI no concílio da hipocrisia.

Aos trinta e três pensou que era Jesus e deixou a barba crescer. Passou a percorrer o centro velho empunhando uma haste de madeira sob o argumento de que “trazia a razão”.

Aos quarenta fora incinerado na Praça da República por seis filhos da puta classe média emergente, que diziam querer limpar a sociedade...

"E assim caminha a humanidade..."

SAvok OnAitsirk, 10.04.12.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 10/04/2012
Reeditado em 11/04/2012
Código do texto: T3605086
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.