Quando o mundo tornou-se trevas e o manto negro da desolação cobriu toda a humanidade, pude constatar a insignificância que cercava minha existência. Solitário, no amanhecer nebuloso, vi-me oco e senti que a dor amenizava o desconforto da existência. Apalpei a face repleta de rugas, não pude me imaginar. Desconhecia minha própria fisionomia. Há tempos havia rompido com o espelho. Avistei uma multidão amparada na fé exagerada que desmantela a diminuta razão Inserida na efêmera religiosidade que balança o pêndulo da causticante existência. Eram seres desesperados que recorriam ao engodo barato dos ricos e carismáticos pastores que prometiam a eternidade no letal prenúncio da verdade, ainda que descrentes das próprias palavras. Reparei a salvação impressa no generoso dízimo e avistei o destino da ilusão eterna. Edifiquei minhas perdas e no balanço da desilusão a aterradora realidade foi suprimida pela insanidade que desconstruiu meu mundo. Havia um tempo em que eu não somava mas adicionava a convidativa desilusão que sempre vinha escurecer meu mundo de trevas. Duvido de minha reminiscência, pois a clareza dos fatos é nebulosa, mas há muito fugi do inferno, e talvez eu ainda teime em continuar por lá, avistando fantasmas, intranquilo e arredio, jogando migalhas aos pombos e temendo pelo entediante amanhecer que tingia de negro o sol de cada manha, porque a verdade amparada na utopia é o desconexo da razão que embriaga corações desprotegidos e no ápice da insanidade, ziguezagueando em outros planos a procura de nada, certamente esbarrarei em mim mesmo e neste ato silencioso, cansado de conviver com a incógnita da vida que inebria e sopra minha existência, certamente silenciarei para sempre o grito contido e escurecerei a chama que aviva meus batimentos.