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Pietro passeava pela praça defronte ao Vaticano só observando e pensando. Quando um velhinho, que estava sentado em um banco, o chama:

-Hei menino! Hei menino!

Pietro procura com a cabeça para descobrir se é ele que estão chamando (...?). Não vê nada, vira- se e continua a olhar para os portões do Vaticano, só observando o portão todo esculpido. "Uma muralha" pensava Pietro.

-Hei menino é você mesmo- diz o velhinho mais uma vez.

Pietro olha novamente, encontra quem o está chamando, aproxima- se e diz:

-Pois não, o que você quer comigo?

-"Você sabia que o mais vira- lata dos cães tem sentidos mais agudos e é infinitamente mais corajoso para não dizer mais honesto e confiável? Poucos bichos são tão estúpidos ou covardes quanto o homem. As formigas e abelhas são de várias formas, mais inteligentes e engenhosas; tocam para a frente seus sistemas de governo com muito arranca- rabos, desperdícios e imbecilidades. O leão é mais bonito, digno e majestoso. O antílope é infinitamente mais rápido e gracioso. Qualquer gato doméstico comum é mais limpo. O cavalo, mesmo suado do trabalho, cheira melhor. O gorila é mais gentil com seus filhotes e mais fiel à companheira. O boi e o asno são mais produtivos e serenos. Mas acima de tudo, o homem é deficiente em coragem, talvez a mais nobre de todas as qualidades. Seu pavor natural não se limita a todos os animais de seu próprio peso ou mesmo da metade de seu peso- exceto uns poucos que ele degradou por cruzamentos artificiais-, seu pavor mortal é também daqueles da sua própria espécie- e não apenas de seus punhos e seus pés, mas até de suas risotas. Nenhuma outro animal é tão incompetente para se adaptar ao seu próprio ambiente. A criança, quando vem ao mundo, é tão frágil que, se for deixada sozinha por aí durante dias, infalivelmente morrerá e essa enfermidade congênita, embora mais ou menos disfarçada depois, continuará até a morte. O homem adoece mais do que qualquer outro animal, tanto em seu estado selvagem quanto abrigado pela civilização. Sofre de uma variedade maior de doenças e com mais frequência. Cansa- se ou fere- se mais facilmente. Finalmente, morre de forma horrível e geralmente mais cedo. Praticamente todos os outros vertebrados superiores, pelo menos em seu ambiente selvagem, vivem e retêm suas faculdades por muito mais tempo. Mesmo os macacos antropóides estão bem a frente de seus primos humanos. Um orangotango casa- se aos sete ou oito anos de idade, constrói uma família de setenta ou oitenta filhos, e continua tão vigoroso e sadio aos oitenta quanto um europeu de 45 anos.

Todos os erros e incompetência do Criador chegaram ao seu clímax no homem. Como peça de um mecanismo, o homem é o pior de todos; comparados com ele, até um salmão ou um estafilococo são máquinas sólidas e eficientes. O homem transporta os piores rins conhecidos da zoologia comparativa, os piores pulmões e o pior coração. Seus olhos, considerando- se o trabalho que são obrigados a desempenhar, são menos eficientes que o de uma minhoca; o Criador de tal aparato ótico, capaz de fabricar um instrumento tão cambeta, deveria ser surrado por seus fregueses. Ao contrário de todos os animais terrestres, celestes ou marinhos, o homem é incapaz, por natureza, de deixar o mundo em que habita. Precisa vestir- se, proteger- se e armar- se para sobreviver. Está eternamente na posição de uma tartaruga que nasceu sem o casco, uma cachorra sem pelos ou um peixe sem barbatanas. Sem sua pesada e desajeitada carapaça, torna- se indefeso até contra as moscas. E nem possui um rabo para espantá- las.

Vou chegar agora a um ponto de inquestionável superioridade natural do homem: ele tem alma (...)"

...? -Pietro sem entender nada.

-Mas o que eu tenho a ver com tudo isso?- Pietro rindo e sem entender.

-Calma! Deixa eu terminar o raciocínio.

-O senhor é louco?- disse Pietro intimidando.

-Calma garoto, deixa- me falar!

"(...) O homem tem alma. É isto que o separa de todos os outros animais e o torna, de certa maneira, senhor deles. A exata natureza de tal alma vem sendo discutida há milhares de anos, mas é possível falar com autoridade a respeito de sua função. A qual seria a de fazer o homem entrar em contato direto com Deus, torná- lo consciente de Deus e, principalmente, parecido com Deus. Bem, considere o colossal fracasso dessa tentativa. Se presumirmos que o homem realmente se parece com Deus, somos levados à inevitável conclusão de que Deus é um covarde, um idiota e um pilantra. E, se presumirmos que o homem, depois de todos esses anos, não se parece com Deus, então fica claro imediatamente qie a alma é uma máquina tão ineficiente quanto o fígado e as amígdalas e, que o homem poderia passar sem ela, assim como o chimpanzé, indubitavelmente, passa muito bem sem alma.

Pois é este o caso. O único efeito prático de se ter uma alma é o de que ela infla o homem com vaidades antropomórficas e antropocêntricas- em suma, com superstições arrogantes e presunçosas. Ele se empertiga se empluma só porque tem alma- e subestima o fato de que ela não funciona. Assim, ele é o supremo palhaço da criação, o 'reductio ad absurdum' da natureza animada. Não passa de uma vaca que acredita dar um pulo à lua e organiza toda a sua vida sobre essa teoria. É como um sapo que se gaba de combater leões, voar sobre as nuvens ou atravessar a atmosfera. No entanto, é esta pobre besta que soms obrigados a defender com o favorito de Deus na Terra, com todos os seus milhões de quadrúpedes muito mais bravos, nobres e decentes- seus soberbos leões, seus ágeis e galantes leopardos, seus imperiais elefantes, seus fiéis cães, seus corajosos ratos.

O homem é o inseto a que nos imploram, depois de infinitos problemas, trabalho e despesas, a reproduzir.

(“Henry Louis Mencken)”

(...)

Ao ouvir os sonos do sino de uma igreja próxima, Pietro sem saber o que dizer, apenas agradeceu e foi embora...

Nanû da Silva
Enviado por fhgmartins em 21/04/2012
Código do texto: T3624645
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