E EU, QUE VENDI O "PÔR- DO- SOL"...

Minha vida estava de mudança.

Era a primeira vez que eu, aprendiz do tempo, constatava que um ciclo chegava ao fim.

Logicamente não se tratava do primeiro e nem do último, mas há uma hora em que a vida, munida de palmatórias, nos conscientiza duramente de tal aprendizado.

Havia decidido trocar de residência.

Quinze anos me seguravam ali e contavam a nossa história.

Minha vida de mãe lá se iniciara ...

Naquele jardim, num bairro ainda pouco habitado, cujas maravilhas da natureza ainda não haviam sido dilapidadas pela especulação imobiliária, havia os primeiros passos da minha filha, os primeiros banhos de sol, as primeiras sílabas, as primeiras amizades, as primeiras festinhas de aniversário, o primeiro dentinho, os seus primeiros jogos de futebol, o deslizar da primeira bicicleta, a orquestração sazonal do passaredo...o canto despertador dos Sabiás das manhãs primaveris e toda espécie da flora mais bela que poderia germinar na terra.

De muitas daquelas árvores gigantescas meus olhos visualizaram os seus primeiros brotos.

Não era uma tarefa fácil abandonar aquele cenário.

Mas a vida me chamava e convidava-nos a percorrer novos caminhos, urgia que continuássemos em outras histórias.

Então, certo dia, após me despedir de tudo, coloquei o imóvel a venda.

Inventariei meus melhores investimentos realizados no seu aprimoramento para que conseguisse o melhor preço de mercado.

Mas na verdade nele escondia-se uma dádiva, um tesouro da natureza.

Durante aqueles quinze anos que lá moramos fomos ininterruptamente agraciados com o mais belo pôr- de- sol que nossos olhos poderiam apreciar.

Da sacada da sala, da humilde altura do segundo andar, todas as estações do ano nos contemplavam com o cromatismo diverso e exuberante que adentrava e amornava nosso ambiente com espetáculo singular.

Então... resolvi: não anunciaria meu imóvel e seus respectivos aposentos e características, tampouco seus armários de madeira maciça, sequer o único metro quadrado de “mámore carrara”,branquinha, ainda polida, com a qual após anos eu conseguira pavimentar o hall de entrada do apartamento.

Não, eu venderia a poesia e o acalanto das tardes que tanto enfeitaram nossas vidas...

E assim eu o anunciei:

-“VENDO O PÔR- DO- SOL”.

O anúncio de certo funcionaria!

Dizem que para tudo que se anuncia, existe alguém interessado em comprar.

E quem não gostaria de adquirir aquele meu exuberante pôr- do- sol?

Não tardou a aparecer vários interessados.

Descrevia-lhes minuciosamente a dádiva do céu, que “ainda me pertencia”, embora certa de que aqui nada nos pertence, e também oferecia como a garantia a visão vitalícia do adeus de cada dia...que não volta nunca mais.

O comprador, um senhor recém chegado da Grécia, lá voltou várias tardes para constatar se o espetáculo por mim descrito não se tratava de estelionato via natureza... afinal, era ele um “expert” em “pôr –de- sóis”.

"Impossível não comprá-lo!" ouvi que murmurou consigo certa vez.

Assim, finalmente...vendi meu pôr- do- sol.

Hoje, após cinco anos, aqui do alto da minha sacada do décimo andar, eu ainda o procuro, mas apenas o vejo no seu clarão sufocado,refletido nas vidraças dos amontoados de concreto.

E embora muito remotamente, a oferta sazonal da translação da terra me permita vê-lo vez ou outra renascer entre os arranha-céus perdidos na névoa cinza...registro que o meu pôr-de-sol jamais se pôs dentro de mim.

SP,26/05/2006