Cosme, O Caminhão.

Cosme nasceu com um defeitinho no motor, dizia sua avó, que o criara desde pequenino. Sua mãe, logo em seguida ao parto, caiu na estrada e nunca mais foi vista. À avó, porém, como muitas por aí, coube as responsabilidades por sua educação.

Desde garotinho Cosme não queria ser gente. Queria ser um veículo.

No princípio, queria ser um carrinho do rolimã, o qual chamava carinhosamente de Fittipaldi. Depois, quando mocinho, decidiu ser um Caminhão Fenemê "Cara Chata".

Vivia rodando por aí dirigindo seu caminhão que era ele mesmo. Um caminhão barulhento, cujo barulho do motor emanava de sua boca, suas rodas eram suas pernas e o volante imaginário advinha de seus braços esvoaçantes, que se fosse um condutor da realidade, certamente teria se acidentado. Era uma máquina possante, que não fervia e não economizava combustível.

Cosme era um exímio motorista. Acelerava nas vias principais e não recebia sequer repreensão das autoridades. Tinha autorização especial para dirigir.

Sua vida, seu cosmos, sua devoção e de sua família a Cosme e Damião, sua predisposição para renunciar sua condição de cidadão e se intitular um caminhão, fizeram de Cosme uma sumidade na região.

Pessoas vinham de longe para vê-lo conduzir sua máquina, que era de carne e osso, rodas de pele, motor de entranhas e um computador de bordo que ultrapassava de longe a tecnologia dos ideais humanos, por demais perniciosos. Até um JP veio da Capital especular a vida de Cosme. Era um jornal sensacionalista, desses que sobrevivem sugando o sangue do proletariado, dos ridículos e dos miseráveis.

Sendo uma máquina, Cosme não precisava se preocupar com sentimentalismo. Acelerava quando estava com raiva, soltando fogo pelo escapamento, e reduzia a marcha quando com sono ou com alma tranqüila. Seu caminhão ficava estacionado em sua cama à noite.

Seus sonhos eram rodovias sem buracos, pessoas com respeito, velocidade controlada e jamais se embebedar ao volante.

Um dia fora pego bebendo óleo de cozinha no gargalo. A avó chegou a tempo para ouvir a justificativa de que o caminhão estava rangendo, precisando de manutenção. Cosme estava doente.

Seu peito paralisado diante as incompreensões mundanas, das crianças covardes que não passavam de monociclos, e dos adultos que não eram mais que calhambeques enferrujados.

Cosme fora levado à "manutenção". O diagnóstico: seu motor estava fundindo. Precisava ser substituído por outro. Imediatamente fora posto nas filas de transplante de coração, mas o tempo, a miséria dos homens e suas injustiças, fizeram com que o motor do caminhão de Cosme parasse de vez de funcionar. Tentaram novas conexões, juntaram fios e cabos, mas a máquina que um dia foi gente, uma criança inocente, se perdeu nos esquecimentos de um ferro-velho público.

SAvok OnAitsirk, 14.6.12.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 14/06/2012
Reeditado em 23/04/2013
Código do texto: T3723525
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