Jogo arriscado

Olhando em seus olhos, ela falava que o amava. Frente a seus olhos ela insinuava-se para outros homens com trocas de olhares, de sorrisos simulados, de toques supostamente involuntários, que para ela não passavam de trajetórias de um jogo, um arriscado jogo de atração. Para ele, essas trajetórias eram cirúrgicas, incisões precisas em regiões essenciais do seu corpo, que o faziam verter sangue e o deixavam enfraquecido e resguardado. Cada gesto, cada atitude notada, perfazia seu corpo, acelerando sua corrente sanguínea e regando seu cérebro com infindas hesitações e probabilidades. Um jogo viciante, de apostas altas, desprovido de ganhadores e, sem previsão de fim. Cada novo dia era uma nova etapa, com jogadas entusiasmantes para ela e, ácidas para ele. Mas, ele a amava, e esse amor fazia-o participar passivamente do jogo, pondo, de modo aberto, todas as suas cartas na mesa, enquanto ela blefava e restringia-se somente a girar a roleta. E enquanto a roleta girava, sentimentos e emoções eram amalgamados a impulsos e desejos, porque, para ela não fazia diferença. O relevante era sentir-se notada, desejada, atraente, ganhadora.

Apostas cada vez mais altas, fichas cada vez mais escassas, obrigaram-no colocar em jogo, seus bens mais valiosos.

Sua vontade: submetendo-se aos esmeros e desejos dela.

Sua autoestima: descobrindo-se abaixo dos outros homens e, por isso, não merecedor de sua lealdade.

Sua dignidade: deixando-se insultar e menosprezar por ela.

Seu amor-próprio: dedicando-se a ela de forma plena, esquecendo-se de si mesmo.

Seu caráter: contradizendo-se e abdicando de suas crenças e valores.

Sua honra: vivendo em função dela e tornando-se uma imagem fantasma.

Por fim, não tendo mais o que pôr em jogo, arriscou sua própria existência e, de maneira heroica, perdeu.

No seu velório, todos relembravam suas virtudes e princípios.

Por trás dos óculos escuros, em meio a lágrimas lamentosas, ela, de modo silencioso, avaliava os olhares masculinos que a seguiam, sugerindo desejo e ofertando cuidado.

E ao baixar do caixão, o único pensamento que ela pôde ter, foi: Dou-lhe uma, dou-lhe duas... Senhores façam suas apostas.

Tatiane Gorska
Enviado por Tatiane Gorska em 21/06/2012
Código do texto: T3737252
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