Não Me Faça Mais Rezar

Eu só quero é saber por que você sorri assim quando olha pra mim, e fica olhando nos meus olhos e me fazendo olhar pra ponta do meu tênis ou pela janela do ônibus, e me dá frio na barriga. Você ganha o que em me deixar pensando besteiras antes de dormir? Você ganha o quê?

Eu nem sou tão bonita assim, sei que não sou. De repente, olhando pra essa moça que está aqui, sentada ao meu lado, você conseguisse mais do que algumas frações de segundos de olhares correspondidos. Ela é mais bonita e parece ser menos tímida, como muitas outras que pegam esse mesmo ônibus, nesse mesmo horário, diariamente. Mas os seus olhos insistem em sorrir para os meus, e eu sinto um enorme frio na barriga. Pra falar a verdade, parece que eles estão falando comigo e quando eu não olho diretamente pra você, o canto dos meus olhos nota seus olhares determinados, como se seus olhos me cutucassem, sussurrando, "Psiu! Olha cá pra mim!". E eu morro de vontade de atender.

Mas em minha cabeça não entra isso, e eu fico em dúvida, será que é pra mim que ele tá olhando? De canto de olho nunca dá pra ter certeza, né? Mas eu prefiro não tentar conferir, que quando meu olhar bate com o seu, eu fico sem graça, sem reação, acho até que mudo de cor. Aí eu olho e os seus olhos parecem brilhar. Eu acho que é o reflexo do brilho que meus olhos adquirem ao olhar para os seus. Mas é quase como uma queda de braço, e eu não tenho coragem de continuar. Penso que se você continuar olhando, se não abaixar os olhos, eu não vou continuar por muito tempo, agüentando essa aflição. Mas é uma afliçãozinha tão gostosa, o frio na barriga e um tremor nos braços, nas mãos, que eu nem sei se consigo esconder.

E todos os dias eu me sento no mesmo lugar, rezando pra você subir no ônibus e se sentar de frente pra mim. Mas ao mesmo tempo torcendo pra você nem aparecer, pra eu não ficar me doendo de dúvidas e vontades quanto a olhar e ser olhada. E quando, por qualquer motivo que eu não sei, você não vem, eu suspiro pra mim mesmo, aliviada. Merda nenhuma!!! Por dentro eu estou me contorcendo de vontade de chorar (sem exagero nenhum), porque a viagem sem a tensão de ver você pelo canto dos olhos é sem sentido. Eu preciso de você, a minha maior e única emoção na vida é essa. Eu me sinto desejada, me sinto mulher! Não me sinto mais objeto, descaso das "amigas" de fofoca, humilhação por parte do patrão, indiferença das pessoas na rua. Tem alguém que todos os dias se senta de frente pra mim e sorri quando eu olho pra ele. Eu não sei o nome, não sei o que faz, se é o meu príncipe encantado ou um psicopata estuprador que vai dar fim à minha vida. Como ele é o único sentido da minha vida, eu não ligo, mas a dor de me sentir fraca, que é o que eu sinto quando olho dentro do brilho dos olhos dele (os seus) é o maior prazer que eu já senti na minha vida. E as suas mãos (que eu fantasio em tantos lugares), já me bastaria que segurassem as minhas.

Eu não entendo porque você continua a me torturar desse jeito, mas agradeço a Deus por isso tudo não terminar, a tortura é deliciosa. Só que eu tenho medo de fazer algo errado e perder isso tudo. Eu não sei se você me escolheu pra isso só por ter que escolher alguém, nem sei se sou apenas mais uma das tantas nas quais que você acende desejos tão intensos só com olhares, sorrisos e respiração serena, mas às vezes eu ouso imaginar que você tenha gostado de algo em mim, no meu jeito de agir, de pisar nos degraus ao descer do ônibus, de suspirar olhando pro outro lado e depois tentar segurar o suspiro que já fugiu. Há até quem olhe para meus seios, para minhas pernas, há até quem demonstre, nas ruas, algum desejo por mim. Nem é pouco comum. Mas isso não me agrada, eu sinto asco. Já você, que olha em meus olhos, me faz cruzar os dedos, rezando pra que repare algo diferente em mim quando eu estou usando aquela blusinha decotada. E quando acontece algo assim, de eu ver o seu olhar passando firme por meu decote, eu me sinto tocada por você, e me arrepio. É bruxaria, só pode.

Então eu chego em casa, tomo meu banho imaginando seus olhos, intrusos, assistindo a minha nudez, e rezo, antes de dormir, pra que Deus me perdoe e me livre de todos esses pensamentos. Eu espero que ele tenha me perdoado, por todo este tempo, porque os pensamentos não cessam, só se tornam mais intensos. E eu rezo, antes de sair de casa, pra que hoje, na hora de voltar para casa, você entre no ônibus e venha se sentar a meu lado. Que me pergunte as horas, ou se eu assisti o último episódio da novela do Manoel Carlos, ou que diga que odeia essa cor estúpida de saia que eu insisto em usar, ou que segure em minha nuca e me beije, todo dono de mim, aqui na frente de todo mundo! Eu quero que o motorista encoste o ônibus e assista pelo retrovisor, surpreso. Quero passar três dias sentindo o gosto dos teus lábios em minha boca. Mas você olha em meus olhos, estala a junta dos dedos e eu, sem perceber, sinto minhas mãos querendo imitar os sons das suas.

Aliás, meus olhares seguem discretamente o percurso dos seus quando você olha em quase qualquer direção, e quando você passa a língua nos lábios, os meus viram como um deserto, que eu não sei como é que eu poderia resistir em irrigar com a saliva que quer a sua. E ajeito a saia, como se ela fosse mais curta do que deveria e minhas pernas estivessem expostas demais. Eu não quero estar exposta demais.

Mas não adianta ajeitar as saias, eu não consigo evitar a exposição, você achou em meus olhos as chaves de mim, e entra facilmente na hora em que quiser. Pena que não do jeito que eu quero.

Sauros
Enviado por Sauros em 08/02/2007
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