UMA ANÁLISE EM LITERATURA AFRICANA

FACULDADE DON DOMÊNICO

CARLOS RONY RECLA

ANÁLISE DO FRAGMENTO DO TEXTO DE TRANSCRIÇÃO FONÉTICA: TIPÊDE I TILÔBE

GUARUJÁ – SP

2012

FACULDADE DON DOMÊNICO

CARLOS RONY RECLA

ANÁLISE DO FRAGMENTO DO TEXTO DE TRANSCRIÇÃO FONÉTICA: TIPÊDE I TILÔBE

Este trabalho corresponde à disciplina Literatura Africana, como parte dos requisitos para obtenção de Créditos do Curso de Letras, apresentado a Faculdade de Educação, Ciências e Letras “Don Domênico”, sob a orientação da Profª. Doutora Hermide Menquini Braga.

GUARUJÁ – SP

2012

A proposta deste trabalho é uma análise de um fragmento do texto: Ti Lobo e Ti Pedro – Santo Antão.

Para a realização desta análise será utilizado os eixos norteadores da literatura apresentados em discussões anteriores os quais são:

 O eixo cultural, que no caso da literatura africana, especificamente, adquiri contornos multifacetados, haja vista, uma diferença significativa entre a cultura ocidentalizada e a afrocultura;

 O eixo histórico, que é indicativo do estágio filosófico e da predominância estética literária em uma dada sincronia;

 O eixo social, pois as relações humanas são determinantes da seleção dos aspectos formais em vigências e nas temáticas valorizadas. Há sem dúvida uma relação direta entre a subjetividade do autor e a necessidade de escrever aos outros, uma verdadeira tensão entre o individuo e o coletivo que se inscreve no aspecto artístico da literatura.

Partindo dos pressupostos iniciais será transcrito na integra o texto proposto para esta pesquisa:

Com o título de ‘Ti Lobo e Ti Pedro - Santo Antão’, esta obra foi escrita por Luís Romano de Madeira Melo um escritor cabo-verdiano que erradicado para o Brasil, em 1962, depois de envolver-se com ideais de independência de maneira tão significativa que desempenhou cargos de liderança no Partido Africano para a independência da Guiné e Cabo Verde. Antes, porém de vir para o Brasil refugiou-se em Argel e Paris.

Luis Romano nasceu em 10 de junho de 1922 em Santo Antão de Cabo Verde e faleceu no Brasil em 22 de janeiro de 2010, especificamente em Natal.

Ele foi um poeta, novelista e folclorista cabo-verdiano, com trabalhos em português e em crioulo cabo-verdiano da ilha de Santo Antão, idioma que preferia designar por ‘língua cabo-verdiana’.Sua obra mais importante foi o livro lnaçado no Brasil : Famintos, romance de um povo.

Este envolvimento político norteou sua obra na defesa de Cabo-Verde e sua obra irá refletir este aspecto libertário e reacionário a colonização européia marcará sua obra decisivamente, que conforme orientado em palestra do curso de letras, revelando características dos três eixos que entrecruzam a literatura em qualquer obra de qualquer lugar.

Para a elaboração desta análise segue a transcrição integral do conto Ti Lobo e Ti Pedro, do livro Cabo Verde-Renascença de uma Civilização no Atlântico Médio (1967), da autoria de Luís Romano de Madeira Melo:

Ti Lobo e Ti Pedro - Santo Antão

Narrador: - Estóra, estóra?

Coro: - Fertuma de cê, améne!

Era um vez Tipêde i Tilôbe. Tipêde ta estóde sempre guardin i Tipêde mâgrin fête um cóbe de linha Ti Lobo e Ti Pedro - Santo Antão.

Um dia Tilôbe ba ter c'Tipêde i eldez'el:

- A Tilpêde, mode quem que bô t'estóde sempre güidin i mim sempe meiguin, sem foiça pe levantá nem um ingánha de mi?

- Tilôbe, mi-ne de d'zêbe nhe sêgrêde i pêquê bô ê multe golôse i despôs bá te çodá ne c'mida, bô en'de q're mâs v'rá pá casa. Bô êf'ladôr, bô te p'tá sêgrede na pd'aça i ês te p'tá gente mõ derriba.

- Ah! Tirpêde! em'te juióbe pe tude q'ónde ê mâs saguiode que mi-ne de d'zê nem um csutchútche; q'onde bô otchá de juste, em'te laigá tudei em'te bem ma bô pe nhe câstilín.

- Sende assim menhá céde, ne premêr cantalr de góle, bô espêré-me debóxe d'equêl pê de f'guêra, lá ne péda lája. Notrum dia, assim que góle dá premer poise, ês dôs incontrá confóme és tinha c'menóde. Tipêde incostá mõ nequêl pê de f'guêra i el dzê:

- Ô f'gurlnha mánsa: lajá, lajá, bô txôns sebi!

Ei cabá de d'zê, quel pê de f'guêra bêm te lajá tê sentá na tchõ. Es sebi n'êl i ês sentá te c'mê figue. Q'ónde Tipêde fartá el v'rá peTilôbe:

- Tilôbe, nô bâ 'mbora pequê de-qui-a-nada sól te necê i nô te f'ca implotóde. Esse f'guixinha ê duns incantóde!

- Tilpêde, inda mí-ne c'mê pâ mim, q' ónte mâs pe nhe miê M'engonçói i inhes fi! Dêi mi-ne dê sei inq'ónte mi-ne t'rá bêiga de m'sêia.

Gueínha' sim nô tchegá.

- P'rísse que mi ne q'ria trezê oo pequê bô ê lionóde, incartóde nu alhei, i n'hóra de v'rá pa casa ninguêm te rancóbe de legar. T'mácuidóde bo-ne diêtá, que êsse f'guirinha ê incantóde. Se bô d'zêl tip-tip el te sebi tê na cé. Tipêde intchê um sóc de figue i el bé sê camin entes de sôl nêcê.Tilôbe fancá te c'mê tê q'onde sol panh'él. Já'l tava que bondôga estancóde fête um tombôr. Entõ el v'rá ôie p'ô tchõ i el tive méde dequel altura; c'mê el' esquecê, invês d'el d'zê f'guirinha pet'chêsse, el c'rengaiá na línga:

- F'guirinha, tip-tip t'xé-me t'chê! El cabá de d'zê tip-tip, qu'el f'guirinha pô te sebi tê antrá na núive. Tilôbe quezilhá de sê vida i el pô t'escompô quel f'guirinha, sempe te d'zê:

- Tip-tip, bô t'xé-me t'chê!, tip-tip, bô t'xé-met'chê!, tê que'l tchegá na cé. Q'ónde l'ioá Nessenhor el pô te tchorá:

- Nessenhor, cê peidué-me, cê mandé-me ôte vez pâ téia, pe dejunte de nhe miê i nhes fi!Nessenhor tive pêna d'êl. Ei ranjá um pilinha de cabrite i el mandá Tilôbe bâ lâv'el ne r'bêra, qu'era p'el fêzesse um tâmburin. Q'ondeTilôbe fastá um pad'óce, el c'mê quel pilinha i el bem d'zê Nessenhor q'ága lêvél'êl de mõ. Nessenhor torná dé-l ôte pilinha, ma el mandá um ánje bâ pe servisse de guarda.Q'ónde Tilôbe pô quel pilinha na bóca, quel onje fêzê'l:

- Pssiu! Tilôbe, p'esfarçá v'rá pâ el:

- A huême, em'ti te tma'i soibe, onje du dióbe! Assim, l'ene pude c'mê quel pilinha e Nessenhor fêzê'l um tâmborín, el marré'l um blina nâcinta i el d'zê':

- Tilôbe, t'má sintide, em'ti tâ bem mandó-be pâ terra; bô tâ dá três pancada nesse tâmborín só q' ónde bô pô pê nâ tchõ. Se bô tocá n'êlantes de tchegá lá debóxe, em'te largá córda i bô te debangá dum vêz.

- Nessenhor, cê'stóde descansóde que mi-ne d'inganá ocê. Em'ta dá nha paiáva de 'êi. Assim Nessenhor bâ te folgâ'l corda devegarin tê q'ônde Tilôbe, já ne mêi de camin, otchá uns freminga num festa de c'sêmente :

- Ô! nhes freminguinha, cês déme um esmóia de c'mida qu'eme ti tâ bem de cé c'um fôme ne nhe bêíga.

- Tilôbe, gente tâ dóbe c'mida de munde, se bô tocá nesse tâmburín, nem que fôr um sô pencadinha que seja.

- Ufúh! Déi te íve! Nessenhôr d'zê-me pe mi-ne tocá n'êi, sô q'ónda em'pôsse pê na téia!

- Tilôbe, Nessenhor te mute longe, lá na cé l'en'de uvi nem um só pencadinha que seja. Oiá tónte c'mida pâ bô!

Dexôns tocá um c'sinha, bô te c'mê tê storá bêrriga!

Tilôbe desesperá de sê vida, ôie grili'l naquês fersula de cârre.

Tinha uns tchuríce de tripa de polpa tchô de sengue bem temperóde.

Tinha cuscuz torróde, lête i açucra; tinha uns gamela de fejõ ervia tenadá na cârre de tchúc; tinha canja de galinha c'arrôz i nhéme nove; tinha tude casta de c'mida sâbe, p'el c'messe s'el d'xésse quês freminga d'ása tocâsse nequêl tamburín. Era um intintaçõ!

Pur fim Tilôbe d'cidí. El mandá p'tá c'mida na mésa i el sentá te cmê fête um desesperóde. Q'ónde l'ene pude mâs pequê se estâme ja tat'arfá, el largá mesa, el fâzê senal da cruz i el reb'cá pancada naquêl tamburim pe quês freminga baêsse Sõ Jõ. Tude gente pô tecolá-na-pic.

Nessenhor cabá d'uví pancada de tambôr el largá corda de mõ i Tilôbe rev'rá de cabeça p'abóxe, merguióde na nuiva. El bem te debangá, bem te debangá, tê q'ónde el tchegá perte de terra el oá quel péda lája aonde l'incontrá ma Tipêde, el d'zê:

- Fásta, fásta pidinha iája!, ê dá na bô, dá f'zê feínha!

Narrador – Agora: quem qué mas grande te bâ panhá, quem qu'ê mâs peq'nin te bá cercá.

Para estabelecer a localização do espaço em que se desenvolve a narrativa segue uma descrição de Santo Antão.

Santo Antão é uma das nove ilhas habitadas de Cabo Verde, localizada no grupo do Barlavento, a noroeste, e segunda maior do arquipélago em superfície e a terceira em população, com aproximadamente 40 km de extensão longitudinal e cerca de 20 km de largura. De origem vulcânica, Santo Antão é a ilha mais setentrional e ocidental de Cabo Verde e a mais afastada do continente africano, pelo que o seu extremo oeste é considerado o ponto mais ocidental de África. O canal de São Vicente separa-a da ilha mais próxima, a ilha de São Vicente.

Desabitada quando da descoberta em 1462 por Portugal, começou a ser colonizada, com pouco sucesso, em 1548. Uma cadeia de montanhas, tida durante muito tempo como intransponível, separa a ilha entre norte e sul.

Os principais aglomerados populacionais são a vila da Ribeira Grande, Porto Novo – porta de entrada de gentes e mercadorias vindas de São Vicente – e a Ponta do Sol, local onde nasceu o escritor Luís Romano de Madeira Melo – onde se localiza o aeródromo da ilha, atualmente desativado.

O trecho escolhido para a análise foi:

Pur fim Tilôbe d'cidí. El mandá p'tá c'mida na mésa i el sentá te cmê fête um desesperóde. Q'ónde l'ene pude mâs pequê se estâme ja tat'arfá, el largá mesa, el fâzê senal da cruz i el reb'cá pancada naquêl tamburim pe quês freminga baêsse Sõ Jõ. Tude gente pô tecolá-na-pic.

Nessenhor cabá d'uví pancada de tambôr el largá corda de mõ i Tilôbe rev'rá de cabeça p'abóxe, merguióde na nuiva. El bem te debangá, bem te debangá, tê q'ónde el tchegá perte de terra el oá quel péda lája aonde l'incontrá ma Tipêde, el d'zê:

Sendo uma transcrição fonética do crioulo cabo-verdiano, e não possuindo nenhuma referência normatizadora como gramática dicionário ou mesmo outro texto com a referida linguagem, salvo algumas palavras semelhantes em Negrume do mesmo autor, será feita uma tradução axiológica para a produção da análise. Feitas estas ressalvas segue a tradução:

Por fim tio Lobo decidiu. Ele mandou colocar comida na mesa, e ele sentar e comer feito um desesperado. Até onde ele nem poder mais porque estava já farto, ele largou a mesa, ele fez o sinal da cruz e ele deu pancada naquele tamborim pra que formigas aprendessem São João. Toda a gente pode colar na pico (alto) , Nhô senhor acaba de ouvir pancada de tambor ele larga a corda de modo que tio Lobo revira de cabeça para baixo, mergulha na nuvem. Ele bem te descerá, até que você onde ele chegar perto da terra ele olhará aquela pedra larga aonde encontrar meu tio Pedro e dirá:

A constituição do texto como sendo fonético é um elemento que torna evidente a cultura africana e está diretamente ligada aos três eixos em razão do reconhecimento que a cultura africana é notoriamente uma cultura oral.

A resistência a escrita deve-se aos anos de colonização, que encerra de maneira sintética horrores, escravidão, extermínio, preconceito entre tantos males que isto representa e que por isto dificultaram a assimilação da escrita por parte dos colonizados.

Contudo deve-se entender que esta resistência é perfeitamente compreensível uma vez que a escrita e o próprio idioma do colonizador tem em sua constituição a ameaça cultural que seus utilitários representavam.

Conclui-se eu a utilização do registro dos sons anda que produzam uma imensa dificuldade de normatização encerra o olhar filosófico que é dado a cultura africana pela etnofilosofia.

A validade dos sons e sua priorização neste conto do livro Cabo Verde-Renascença de uma Civilização no Atlântico Médio (1967) reforça a proposta de emancipação de Luís Romano do Cabo Verde do domínio de Portugal.

A alimentação é tida sempre como fator de compartilhamento de onde vem a origem da nossa palavra companheiro, aquele que compartilha o pão, e isto fica evidenciado pela relação estabelecida entre tio Pedro e o tio Lobo, a refeição tem um caráter histórico onde compactua-se de um determinado objetivo entre duas ou mais pessoas e ainda hoje permanece institucionalizado este valor das refeições.

A refeição também revela um aspecto histórico da sociedade africana a fome, nenhuma pessoa que desfruta de abundância em sua alimentação come desesperadamente como é descrito no fragmento. Tal descrição deve-se em face da preocupação de retratar a fome e as dificuldades em que a sociedade africana, de forma geral, ainda vivencia em Cabo Verde e outras nações do continente africano.

A formiga e a pedra larga elementos imediatos do fragmento, além da figueira e do figo são elementos que relacionam a literatura, e este conto em especial, com a natureza um tema tão recorrente na literatura africana.

Contudo não uma mera referência a aspectos naturais e sim os aspectos constitutivos da natureza como uma manifestação de integração entre o africano e sua terra e a conseqüente resistência a presença do colonizador como elemento textual que confirma isto se encontra a referência d compreensão da formiga com o tambor e a assimilação que serão mais precisamente analisados no aspecto do misticismo, entretanto já demonstram a unidade dos traços da natureza com a identidade africana.

O tambor, as acrobacias feitas pelo tio Lobo em um estado de êxtase e a interação comida oferenda, o toque do tambor em conexão direta com a refeição, introduz o conceito da religiosidade africana com sua característica própria.

Ele sai da refeição e realiza acrobacias que em estado natural poderiam causar-lhe algum mal e o texto com a referência de mergulhar na nuvem reitera a experiência transcendente que tio lobo experimenta. Igualmente a musicalidade que não restringe-s a religiosidade, mas que é elemento primário na constituição da cultura africana encontra-se não apenas na referência do tambor e sua utilização, mas também na importância narrativa que é dada no fragmento.

Um aspecto de relevância acerca da religiosidade e que traduz com precisão a religiosidade praticada na áfrica portuguesa pós-colonização, está evidenciada pelo sinal da cruz, que conforme o fragmento tio lobo faz depois de comer e antes de tocar o tambor. Este aspecto é o sincretismo religioso resultante da fusão do catolicismo europeu com as práticas religiosas tribais já existentes antes da chegada dos colonizadores.

Se o aspecto de guerras e combates não está explicitado no texto em análise, contudo uma fina camada o protege do olhar critico, senão vejamos.

A fome com que ti Lobo participa da refeição é em razão dos anos de exploração não só de Cabo Verde, como de todo o continente africano. Uma exploração que dizimou sua fauna, e apropriou-se de suas riquezas minerais e arrancou milhões de pessoas de sua existência para a escravidão além mar.

Os tambores conquanto já tenham sido analisados sempre serão encontrados na cultura africana relacionados a guerra uma vez que as tribos africanas excitavam para a batalha por maio do toque deste instrumento.

A conclusão acerca deste trabalho é como tendo um autor morou no Brasil e produziu um trabalho que merecia uma maior atenção ainda permanece desconhecido para a maioria de nós estudantes d letras e o que se dirá da população em geral?

Referências Bibliográficas:

http://pt.wikipedia.org

http://books.google.com.br

verbumimagus.blogspot.com.b

Rony Recla
Enviado por Rony Recla em 28/06/2012
Código do texto: T3750190
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