Personagem não escrita

Ei, idiota? Pare agora mesmo. Nem ao menos toque esse lápis no papel. O seu livro maravilhoso sobre aquela história única, que só foi escrita um milhão de vezes, das piores maneiras possíveis, não vai chegar à página vinte. Muito menos ser publicado por alguma editora famosa e menos ainda ser um sucesso.

Você não tem talento. Nem um pouquinho. Então, pelo amor de qualquer deus em que você acredite, não me escreva. Eu não quero ser a personagem de um medíocre, platonicamente apaixonado por uma mulher incrivelmente linda, que nem mesmo sabe que você existe.

Uma lástima que o livro da vida de Drummond já esteja fechado. Seria o máximo ter sido escrita em alguns versos curtos e imortais. É o sonho de todo personagem, sabe? Ser escrito por alguém de talento, um Gabriel Garcia Marques, Neruda , Vinícius de Moraes...

Eu prefiro ficar aqui, quietinha, no mundo das ideias, um vulto passageiro na sua mente. Melhor do que acabar em uma lata de lixo com um monte de papel embolado ou na lixeira eletrônica do seu computador.

Eu não vou acabar no limbo das histórias. Vou ser lembrada, eternizada. Daqui séculos, falarão de mim nos livros de literatura. Dirão que o estilo do meu autor me deu um ar misterioso, uma história complexa, que provoca reflexões nas diversas áreas de conhecimento.

Vou encantar garotos e moças, que se apaixonarão por mim e se viciarão em literatura e talvez se tornem escritores também. Meu final será trágico e lágrimas brotarão das velhas senhoras que acompanharam meu enredo dias a fio e uma super atriz será escalda para fazer o meu papel em uma mega produção.

Me deixe existir na cabeça de outro. Não seja egoísta. Se me escrever, seremos dois fracassados. Um de nós merece entrar para a história e eu tenho certeza que não será você.