Poderosa novena

Beirava os quarenta. Ninguém prestava, nenhum homem preenchia todas as características que ela sempre buscou. Quanto mais ela rezava, mais assombração aparecia: se era lindo, forte e sarado, era um fracasso na cama; se era um excelente amante, era um galinha safado. Se era fiel e leal, era ciumento demais; se era um doce de pessoa, era insuportavelmente chato. Às vezes até que chegava perto, mas quando isso acontecia o fulano era comprometidíssimo. Tinha ímpetos de colocar apenas em si mesma a culpa pelo seu fracasso, mas as amigas corroboravam sua percepção: homens perfeitos e disponíveis eram raros como trufas brancas. Ou políticos bem intencionados.

Uma tia muito religiosa, vendo a sobrinha também virar tia mas sem sobrinhos de sangue, resolveu prescrever-lhe uma prece: um tipo de novena à qual ela deveria se dedicar com afinco durante alguns dias seguidos. Uma vela acesa e muito fervor e fé nas palavras ditas, conservando o coração aberto para o que o Alto lhe reservasse. E assim a moça fez, juntando toda sua fé e muitas vezes chegando às lágrimas no meio da oração.

Finda a novena, ela se sentiu aliviada, pois havia colocado fora de suas mãos a resolução de seu problema de solidão. Naquele dia acordou disposta, olhou-se no espelho e se viu uma mulher madura e ainda muito bela; admirou-se um pouco mais que o normal, vestiu-se e maquiou-se com esmero, saiu à rua para viver seu dia com uma nova esperança no olhar. Havia tirado o peso da responsabilidade de suas costas.

Trabalhou com alegria, voltou à academia depois de sucessivas faltas, matriculou-se num curso de oratória, entrou numa livraria e de lá saiu com o livro que há tempos queria ler.

Chegando à casa no começo da noite, ao invés de lamentar sua solidão, tomou um demorado banho, perfumou-se, preparou para si mesma um caprichado jantar e abriu um vinho guardado para ocasiões especiais. Começou a ler seu livro e foi dormir feliz, sentindo-se plena e completa.

Depois de um mês, foi tomar chá na casa da tia levando-lhe um maço de rosas. Queria agradecer a ela e à sua poderosa novena por terem-na ajudado a encontrar sua cara metade: afinal, havia encontrado as duas metades dentro dela mesma. Aprendeu a se conhecer, a se gostar, a curtir sua própria companhia quando outra não havia – e, mesmo que outra houvesse, dar-se a chance de escolher ficar consigo mesma. Aprendeu que o outro deveria somar, jamais complementar. Que não dependia de quem quer que fosse para ser ela mesma, e que ser ela mesma já dava um trabalho imenso, pois precisava se concentrar, se lapidar, ser cada dia melhor; e isso demandava conhecimento e tempo. Mas, o melhor de tudo, aprendeu a aceitar o outro com suas falhas, pois ela também as tinha, e em grande número.

Claro que o conto termina com um final feliz. Basta escolher: ela encontrou o tal “homem perfeito”, admitindo que ninguém é perfeito mas unindo-se a alguém com quem podia se sentir realizada sendo apenas ela mesma; ou viveu muito feliz sozinha, rodeada de pessoas queridas, usando de forma prazerosa e criativa seu tempo e tentando aprimorar-se a cada dia. Porém, uma coisa é certa: o gajo que era lindo, alto, forte, solteiro, fiel, leal, amoroso, sem vícios, sem ciúme (excessivo), podre de rico, generoso, excitante, surpreendente, totalmente dedicado, saudável, um furacão na cama, um gourmet na cozinha, que não tinha filhos nem ex-mulher – esse cara estava ocupado, comendo trufas brancas com um político bem intencionado.

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“Não há homem. Não há mulher. Há probabilidades: não dependemos do outro para sermos nós mesmos...” (trecho do texto de Geraldo Varjabedian, "Dia do Homem" - leia o post completo em sua página do Facebook ou use o link para ele, postado na minha página. Infelizmente não tenho como deixar o link aqui.)

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Este texto faz parte do Exercício Criativo "Quanto mais eu rezo..."

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