Amor de Giz: FINAL

Não tinha um encontro ... a quatro, não, seis anos. Entre noivado, graduação e projeto de mestrado, o tempo passou e ela não havia se dado conta. A semana seguiu como uma gincana: apesar dos débitos, encontrou uma toalha que combinasse com o cardápio, taças certas para a ocasião, marcou escova, manicure, depilação. Peraí! Para que tanta produção para um jantar? Vai ver ele nem lembra mais. Sossega, mulher!!!

No dia marcado, recebera ligações dele para saber sobre os vinhos. Sim, teria vinhos! Entre a excitação e a histeria doméstica por limpeza, o dia acabou.

Na hora marcada ele chegou. Ela, trêmula e ele tagarelava sem parar. Fingem tão bem que começam a se interessar pela conversa. Ele, para sua surpresa, fala sobre seus casamentos, amores. Ela permanece atenta, degustando cada palavra enquanto ele serve.

Bom papo, tempero suave, música de fundo e o convite para dançar. O roteiro final foi o sofá de dois lugares sendo invadido por dois pré-adolescentes no primeiro beijo. As línguas não se entendiam, as mãos não sabiam o que fazer, os batimentos denunciavam euforia e sedentarismo. A noite findara, mas a conversa não. Ao alvorecer, ele despediu-se e ela dormiu o dia inteiro. Tudo perfeito e nem teve de fazer sexo! Se não fosse gay, era o marido ideal.

Segundo encontro, show de Gal, cenário perfeito para um par romântico: mãos entrelaçadas, gentilezas, segredinhos, amenidades. Até “o” dia, um mês quase. Primeira noite e o caos. Muitos anos sem sexo, causara-lhe um bloqueio quase físico. Ele achara que era gênero e ela sentenciou: insensível. Primeira briga. Primeiro término. Primeiras pazes.

Desse dia em diante, tudo transcorria às mil maravilhas, mas algo havia se quebrado. O homem libertino e mundano era, na verdade, uma pessoa com muitas cicatrizes, mas muito doce,carinhoso, protetor, amoroso. Assíduo, romântico e até constante, às vezes dava sinais de distanciamento quando enumerava suas antigas trapaças. O envolvimento foi repentino e avassalador. Pareciam cada vez mais apaixonados. Noite de aniversário de namoro, comemorado e lembrado por ele, veio o convite: “Quero que conheça meus pais e meus filhos”.

Batimentos a mil. Nossa! Nunca havia passado por aquilo na vida! Seus relacionamentos haviam sido com colegas de partido ou faculdade, solteiros e que moravam com a família. Aquele relacionamento era diferente,estonteantemente embriagador e dava medo... Tentou manter a calma, mas nem dormir na casa dele lhe fez esquecer aquelas palavras. Como se portar naquela situação? Preferiu não levantar expectativas, afinal, poderia ter sido uma coisa de momento...

Inauguram uma fase mais intimista no relacionamento, sentem saudades e querem ficar mais juntos, falam em sentimentos abertamente. Adorando a nova fase, sentiu-se segura para abordar sobre seu problema de saúde e de suas dúvidas em relação à maternidade.

Ele mostrou-se atencioso e comentou que sentia falta da fase em que as crianças eram pequenas, embora não pensasse em ter filhos naquele momento. Concluiu dizendo que ser mãe poderia ser uma dificuldade de temperamento porque fisicamente já nascera preparada para aquilo por ser mulher. As palavras dele ecoraram por todo o apartamento.

Depois daquele dia, algo, definitivamente, mudou. Por mais que parecesse apaixonado e dedicado, começou a faltar encontros, transferí-los, celular sempre na “caixa”, sintomas taxativos: tem outra e é recente. Canalha! Imbecil! Agora que ela passara a oficial já tinha outra. Seria sempre assim? Então, para quê apresentar a pais e filhos? Ela não pedira nem cobrara nada. Tudo saira da cabeça dele. Homens, todos monstros!

Véspera da ida à casa dos sogros e aniversário de namoro, novamente. Dessa vez ele chegara atrasado, celular sem bateria(!), visivelmente estressado. Iniciam um diálogo tenso, repleto de indiretas, mensagens subliminares, prenúncio de discussão. E nem um minguado bitoque da chegada! O estopim foi quando ele dissera que “seria melhor ” remarcar porque era dia de levar a mãe dele ao centro espírita já que se recuperava de um derrame.

Nesse momento ela perdera as estribeiras e dera o assunto e o namoro por encerrado. Ele ainda tentou se explicar, mas o estrago já havia sido feito. Após sua saída, ela chorara feito criança, alto e por horas a fio. Apagou o nome dele do celular, deletou email, rasgou a única foto e o ingresso do show de Gal e queimou as lingeries sem uso que comprara para aquela nova fase.

Um prejuízo mais emocional que de qualquer outra ordem! Depois de muito, havia deixado alguém se aproximar, conhecer suas fraquezas e medos para poder destruí-la de forma mais eficaz e decisiva. Por que? Como tinha sido idiota, presa fácil? Sentiu-se desmoronar...

Ano findando, festas e o mais profundo silêncio de ambas as partes. Aniversário dela e nada. Durante o feriado da Semana Santa, reencontram-se por acaso. Ela, com um amigo gay dos tempos de colégio e ele, com uma loira que aparentava ter treze, no máximo, quinze. Demorou alguns minutos para entender que era a filha adolescente de mais uma recém divorciada, sua “amiga”.

Cumprimentaram-se à distância, mas prestar atenção aos acompanhantes foi difícil. Ela estava bem mais magra e pelo jeito, malhando. Como conseguia ficar tão linda no inverno! Ele, mais grisalho, parecia abatido, mesmo assim não perdera o jeito de sedutor e estava murchando a barriga!

Seus destinos até hoje não se cruzaram mais. Ela passou na seleção de Semiótica na UFRJ e aproveitou para se consultar com um cientista em fertilidade. A última notícia por email de colegas em comum dizia que ele havia se aposentado, comprado uma chácara em Ubaíra, cidadezinha no interior da Bahia. Planejava construir uma pousada com open bar e uma casa confortável para abrigar a família aumentada já que sua primogênita estava grávida de gêmeos.

Nem todas as histórias podem ser como nos filmes. Pena!

*Baseada em fatos reais.

Arsenia Rodrigues
Enviado por Arsenia Rodrigues em 11/02/2007
Reeditado em 26/06/2008
Código do texto: T378061
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