Saltos Altos

Tarde da noite. Cansado e com sono, eu voltava para casa depois de um longo dia de trabalho, já imaginando um delicioso banho quente e uma cama limpinha quando, atrás de mim, pela calçada, ouvi passos apressados de mulher. Sei que eram femininos porque sou fascinado pelo “toc-toc” dos saltos altos. Virei-me, sem muito interesse, só para ver quem era. Não era ninguém. Assim que olhei para trás, percebi a rua deserta. Voltei a andar mas, logo em seguida, os passos de salto alto voltaram a me seguir. Tornei a olhar, agora com uma pontadinha de indignação, e novamente não vi ninguém.

Minha casa não estava longe. Era só dobrar uma rua e lá estaria ela, com seus gerânios na janela da sala, contrastando sua cor avermelhada com a brancura das paredes. Bem, na verdade, já não eram tão brancas assim as paredes da minha casa. Continham várias manchas das bolas de futebol dos jogos da criançada. Mas, eu gostava da sujeira. Casa muito limpa dá a impressão de abandono.

Todavia, os passos voltaram, mais rápidos e bem mais perto. Não sei por que motivo, um calafrio percorreu minha espinha, como se um vento frio de inverno viesse abraçar-me naquele calor pleno de janeiro. A noite era quente e não tinha vento algum. Porém, eu estava gelado. Não tinha coragem de olhar para trás outra vez. E se fosse um fantasma? Não, eu não era mais criança. Devia parar de fantasiar as coisas. Podia ser alguém da vizinhança, ou mesmo Rosemary, querendo pregar-me uma peça. Relaxei, afinal, e esperei para ver.

Finalmente, dobrei a última rua e avistei minha casa. Nesse momento, os passos pararam. Concluí que a pessoa havia chegado em casa e cometi a asneira de olhar. Devo ter ficado transparente de susto, pois os passos pararam na entrada lateral do cemitério, que ficava na outra rua. Voltei a andar. Minto, eu corria feito doido até chegar em casa. Enquanto corria, pensava: Devo estar ficando maluco ou caduco. Tenho trinta e oito anos e tenho medo de passos na rua. Estava furioso comigo mesmo. Entrei em casa e fitei a sala. Os sofás cor-de-marfim, o televisor e o abajur em cima da mesinha de mármore. Tudo estava em seu devido lugar. E por que não estaria, se moro sozinho e a porta fica sempre trancada?

Fui até o banheiro e olhei-me no espelho. Meu rosto já não tinha o mesmo vigor dos vinte anos. Eu estava ficando velho. Encontrei mais uma ruga no canto da boca, e o que restava de cabelos nas têmporas estava branco. Sou exagerado. Não sou careca e são apenas alguns fios que pratearam. A barba, sim, estava grisalha. Os olhos já não tinham o mesmo fogo de alguns anos passados e, agora, o tom esverdeado ganhava um ar sério e profundo. Não, eu não estava velho. Estava até mais bonito. Afinal, Rosemary gostava de mim assim como eu era, com pés-de-galinha e tudo.

Outra vez os passos, desviando minha atenção do espelho. Ouvi quando subiram os três degraus da frente da casa e escutei alguém forçando a maçaneta. Fiquei bravo. Fui até a sala, abria porta e saí para vasculhar o quintal. Não achei nada. Voltei, tomei meu tão esperado banho quente e enfiei-me debaixo dos lençóis.

Já estava quase em sono profundo quando ouvi os saltos altos em meu quarto. Resolvi não abrir os olhos e assim o fiz. Naquela noite, sonhei que uma linda mulher, de longos cabelos negros, nua e de saltos altos deitava-se comigo. Não me sinto à vontade para relatar o que se passou em meu leito. Só que, quando acordei, pela manhã, encontrei a cama revirada como se pela mais louca noite de amor. E, pasmem, ao lado da cama, um par de sandálias vermelhas de salto alto.

Não sei que ela era. Não vi seu rosto. Só sei que volto para casa sempre à meia-noite, percorrendo o mesmo caminho dos fundos do cemitério, para ver se encontro outra vez a minha linda fantasma de saltos altos.

Giselle Jacques
Enviado por Giselle Jacques em 12/02/2007
Reeditado em 10/09/2010
Código do texto: T378595
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