DE PÉ EM PÉ, DE MÃO EM MÃO

RUBEMAR ALVES

Todos nós temos duas famílias, isto é, o lado materno e o lado paterno e muitas vezes nem todos se conhecem, tipo assim ‘a-prima-da-minha-prima’... Aconteceu mais ou menos desta forma antes e depois nas famílias de... (não importa o nome da moça).

A mulher do tio materno tinha um bando de irmãs casadas que residiam em bairros separados. A mais velha, por acaso alourada e de olhos verdes, ligou a tevê num canal educativo, teatro em espanhol, só conseguiu decorar o que ouviu da declamadora, anunciando poema e uma dança flamenca:

“De Federico Garcia Lorca, Verde, que te quiero verde..” (Verde, metáfora de destino? Talvez. Discutível até hoje...)

Trocou de canal, brigalhada numa novela por causa de uma esmeralda. Trocou novamente, Jerry deu banho de tinta e Tom ficou todo (leitor já adivinhou, parabéns!)... verde. Tentou comprar bananas – nada maduras, todas......... Pois é! O verde quase lhe torrou os miolos, como se diz popularmente.

Época de um filme sobre ALADIM, as vitrines femininas oferecendo moda oriental, só faltava que as mulheres se vestissem com tecidos transparentes e saíssem todas à rua como odaliscas. Moda é moda!

Bom, a tal mulher precisava de uma sandália nova. Linda! Couro verde, pedrinhas de várias cores, argolinhas douradas, sedução para uma princesa árabe. No entusiasmo de experimentar, na loja, não observou um detalhe: a frente da sandália era curva para cima. Terror! Casa de dois andares, tinha que subir e descer muitas vezes, em poucas horas começou a ter câimbras nos dedos nada retos e os pés incharam.

Logo no dia seguinte já passou a sandália para a irmã de idade abaixo (marido eletricista que trabalhava especialmente com lâmpadas, apenas não maravilhosas, mágicas). Esta em princípio adorou o presente, porém... casa térrea, terreno enorme, árvores, três cães, ora varria folhas secas ora cuidava dos bichos, em tempo curto começou também a ter câimbras e os pés incharam.

Em menos de vinte e quatro horas passou a sandália para a irmã de idade abaixo. Nem casa de dois andares nem de terreno enorme, apenas um vira-lata, mas filha pequena para levar para a escola e buscar. Mesmas conseqüências dolorosas.

Morava perto da irmã caçula, passou para ela (esta, casada com um Eugênio). Andar de cima, apartamento pequeno, dois filhos crescidos que iam para a escola sozinhos, sem cachorro, mas... aconteceu tudo igual.

Passou para a moça, sobrinha legítima do marido da terceira mulher e prima da menininha que freqüentava a escola primária. Era jovem, batalhadora, persistente, trabalhava o dia inteiro num escritório no centro da cidade e............... ainda calçou por dois longuíssimos dias. Perdeu o desafio. (Preciso repetir?)

Apareceu, em visita informal, a prima do pai da moça, que não conhecia nenhuma das mulheres anteriores. Chegou, conversou, lanchou e anunciou que estava indo comprar uma sandália da moda, estilo oriental. Pra quê falou? Ganhou uma na horinha, praticamente nova. Saiu encantada e ainda gracejou:

“Esta manhã tive três desejos de compras e um já está sendo realizado de graça. Presente do Gênio, só pode ser!”

Experimentou ao chegar em casa. Em poucos minutos, já estava arrependida. Soltou todos os palavrões do mundo, mas... este “jogo” não perderia. Consultou o caderninho de recortes de jornal que quase toda mulher possui – “Ensinamentos úteis para a dona de casa - Como amolecer couro”:

1 – Botou de molho numa bacia com água, ruim que as pedras foram se soltando. 2 – Deu uma surra na sandália com o martelo da cozinha: a sola ficou milagrosamente reta, experimentou, deu mais ou menos certo. Sim, “mais ou menos”, porque as partes de couro da sandália começaram a descolar.

Saiu pelas ruas perto de casa, loja do sapateiro de consertos fechada, cartaz pendurado na porta de aço verde, ‘Fechada-por-motivo-de-viagem-a-Bagdá” (piada, certamente).

Entrou toda estabanada pela fabriqueta de móveis por encomenda, porta da frente sempre aberta, pediu um pouco de cola, deram sem aceitar dinheiro. Ali mesmo no balcão (então não há grande diferença entre a cola de sapateiro e a de placas de compensado...) juntou o que estava ameaçando desmontar, gotas minúsculas espalhadas com palito nas pedrarias e nas argolinhas... ah, e depois, em casa, secou no quintal de cimento, sob um sol quase desértico, de 42 graus!

Sentiu-se vitoriosa. Afinal, ostentava o nome verdadeiro (certidão de nascimento e registro geral) de......... YASMIM!

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 25/07/2012
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