AS VÁRIAS FACES DE UMA MESMA EVA


”O que será que será
Que andam suspirando pelas alcovas
Que andam sussurrando em versos e trovas”

Ela era a sensualidade em pessoa, porque não dizer o convite ao pecado encarnado no corpo de uma mulher, quando a conheci. E apesar de mediana na classe social, no tamanho, na beleza, desde os seus vinte e dois anos já havia atingido uma posição social de destaque em relação aos membros de sua família.
Deitada, nua, coberta por um simples lençol, há uma hora, ela se deleitava ouvindo seu recente presente de amigo oculto – um cd de Chico Buarque: Perfil -, através do headfone de seu MP3 player, mas unicamente a oitava faixa, com a participação especial de Milton Nascimento.

“Que andam combinando no breu das tocas
Que anda nas cabeças, anda nas bocas
Que andam acendendo velas nos becos”

Era tamanha a sua fixação com O que será (À flor da pele) - música e texto -, que seu aparelho de áudio havia sido colocado na posição de repetição automática de faixa.

“Estão falando alto pelos botecos
E gritam nos mercados que com certeza
Está na natureza
Será que será”

Casada há dez anos, trinta e dois anos, mãe de uma filha de dois anos, era considerada a ovelha negra da família.
- Engraçado, falam que sou a ovelha negra da família, no entanto, não casei grávida como duas de minhas irmãs, não sou mãe solteira como minha prima Gabriela, não me separei do meu marido ainda como minha irmã mais velha... – se surpreendeu excitada e aborrecida.

“O que não tem certeza nem nunca terá
O que não tem conserto nem nunca terá
O que não tem tamanho”

Um metro e setenta, densos cabelos pretos que tocam seus ombros, postura aprumada, seios e traseiros insinuantes que acentuam sua feminilidade, sorriso angelical.
- Estranho como ultimamente fujo na última hora – lembrando a viagem de volta para casa. Enquanto esperava o embarque no aeroporto, vários homens me interessaram, me despertaram a mesma esperança e curiosidade que sempre me assalta quando me vejo anônima num ambiente público. Aquela mesma expectativa incontrolável, aquela mesma fome diferente que não vem de um lugar certo no meu corpo, aquela mesma angústia que me acompanha desde que meu primo foi assassinado.

“O que será que será
Que vive nas idéias desses amantes
Que cantam os poetas mais delirantes
Que juram os profetas embriagados
Que está na romaria dos mutilados
Que está na fantasia dos infelizes
Está no dia-a-dia das meretrizes
No plano dos bandidos dos desvalidos
Em todos os sentidos, será que será”

Há quase uma década se especializara na sedução de todas as categorias de homens, e a todos era ela que os escolhia - muitos por interesse tácito, outros por picardia, e, uns poucos por verdadeira diversão e inconseqüência.
Mais de uma centena de senhores distintos, empresários vitoriosos, funcionários públicos, profissionais liberais, orientadores religiosos, mas também, motoristas de táxi, desempregados desiludidos, viúvos carentes, policiais civis e militares, e até de mendigos (muito poucos), faziam parte de sua lista.

“O que não tem decência nem nunca terá
O que não tem censura nem nunca terá
O que não faz sentido”

Não era com certeza uma ninfomaníaca, uma portadora de um transtorno de personalidade, uma psicótica qualquer, atestavam os vários analistas que nos últimos dez anos fazia questão de trocar como se troca de camisa.
Não era uma religiosa empedernida, mas acreditava em Deus, na sua clemência e no seu amor infinito.

“O que será que será
Que todos os avisos não vão evitar
Porque todos os risos vão desafiar
Porque todos os sinos irão repicar
Porque todos os hinos irão consagrar
E todos os meninos vão desembestar
E todos os destinos irão se encontrar
E mesmo o padre eterno que nunca foi lá
Olhando aquele inferno vai abençoar
O que não tem governo nem nunca terá
O que não tem vergonha nem nunca terá
O que não tem juízo?”
...
Não era uma intelectual, uma artista, uma executiva, mas, sua inteligência dava para o gasto, para a sobrevivência, e para gerir todas as suas metas propostas com vivacidade, bom humor e malícia.
Era na verdade, me dou o direito de arriscar, uma neurótica comum, refém das mesmas fobias, ansiedades e angústias que a todas caracteriza. Mas, era, antes de tudo, uma fêmea valorosa, valente, assumida.

“O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito esta doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite”
...
Nascida numa pequena fazenda, no Córrego do Beija-Flor, Município de Dourados, nos rincões das Minas Gerais, teve uma infância livre, amparada por cinco irmãs mais velhas, pelo irmão primogênito, distanciado dez anos.
Eu sabia que três experiências suas permaneciam sempre presentes, vívidas, marcantes, em sua memória, quando teimava em recordar aquele tempo distante de sua vida.
A primeira experiência, na primeira infância, seu prazer de andar sem calcinha nos lombos dos porcos da fazenda amparada por sua irmã do meio. Claro que Lucinha nem de longe suspeitava que ela sempre se despisse às escondidas antegozando o deleite do contato do dorso do animal com o vão de suas pernas. Era uma sensação de prazer que a partir de sua genitália, ia invadindo cada centímetro de seu corpo, cada célula, cada átomo, percorrendo-a com a velocidade de um raio. E ela procurava acentuar esse deleite, batendo suas pernas como céleres asas até o êxtase final, que sempre a deixava estendida de costas no solo num quase desfalecimento.
Sua irmã sempre perguntava preocupada:
- Está passando mal Cilinha?
Ela abria os braços e de olhos fechados a cingia docemente. Lucinha sempre se deitava ali com ela, de mãos dadas, sem pressa, compartilhando aquele momento feliz.
A segunda, na sua adolescência, com sua prima Geni e depois com seu noivo Antonio. Lembrava, ainda com ternura, as noites passadas na casa da prima, que mudara para uma casa da fazenda de seus pais, por empréstimo. O pai dela, irmão de sua mãe, morrera subitamente, e deixara a família sem condições mínimas de sobrevivência. Ela tinha na época quinze anos e Geninha vinte e um. A prima viera da capital, tinha modos discretos e delicados, e logo conquistou o coração de Priscila, ou de Cilinha, que era como carinhosamente todos se referiam a ela.
A ligação entre as duas foi acontecendo muito naturalmente. Sua prima passou a ajudá-la nas tarefas da escola, da quarta série do segundo grau, (havia repetido o primeiro ano primário), e se tornou companheira habitual dela nos passeios e diversões pela fazenda e pela vizinhança, sempre demonstrando zeloso cuidado das roupas, e, até, dos pequenos detalhes da higiene íntima dela.
Esse estreito relacionamento foi abrindo a possibilidade, não muito usual para o local e a época, de certas intimidades como a de andar sempre abraçadas, de trocar pequenos afagos em público e de tomar banho juntas. Com o tempo a mãe de Cilinha ganhou confiança nas duas e as liberou para ir juntas às eventuais festas noturnas públicas locais e para dormir depois na casa da sobrinha, e muito mais porque a mesma morava sozinha com sua cunhada.
Geninha era recatada, doce, e extremamente generosa na expressão física de sua amabilidade com todos os familiares e com os amigos mais próximos.
Para as duas não foi, portanto, nada estranho, quando na primeira noite, após se recolher ao quarto apertado de duas camas da prima, os carinhos trocados durante o dia entre elas, se prolongassem em afagos, ternuras, carícias, antes de conciliar o sono.
Com o tempo, e sugerido pela mais velha, não sem antes fechar a porta do quarto por dentro, passaram a se despir, a se tocar mais explicitamente, e a dormir numa única cama, enroscadas ternamente. Quando acordavam pela manhã, a porta estava aberta, cada uma em sua própria cama, e devidamente vestida. Cilinha não se recordava uma única vez sequer de ter se acordado durante a noite, de ter se vestido, e muito menos, de ter ido conscientemente se deitar na outra cama.
Geninha começou a receber em alguns fins de semana a visita de seu namorado da capital e Priscila passou a servir de companhia para eles e também de escolta da prima pela exigência peremptória da tia, de início, muito a contra gosto.
Antonio dormia inicialmente no quarto de hóspedes da fazenda numa dependência contígua à sede da fazenda. Os três passavam o dia inteiro em contato íntimo.
A maioria das noites eram passadas até quase o romper do dia na panorâmica varanda da propriedade principal, de onde se descortina até hoje um caudaloso rio, o curral, o chiqueiro, e as plantações bem cuidadas que se estendem a perder de vista até tocar o morro distante mais próximo.
Nesse ambiente Priscila ora escolhia deitar sua cabeça no colo da prima, ora do namorado dela, ou, mesmo, muitas vezes, se estendia próxima aos dois no imenso banco de madeira da varanda.
As vindas de Antonio foram se tornando mais freqüentes e, eventualmente, se estendendo no número de dias de estadia, e a sua chegada era cada vez mais aguardada com uma ansiedade crescente compartilhada e explicitada pelas duas primas.
Priscila já estava preparando a formatura de segundo grau, quando começou a perceber a necessidade do colo de Antonio se mostrar mais premente para ela, e, principalmente, quando sua prima se demorava em alguma tarefa dentro de casa, e, os dois ficavam sozinhos. De início, foi ele mesmo que a puxava carinhosamente, lhe beijava o rosto, e deitava a cabeça dela no seu colo, e ficavam ali perdidos e enternecidos com a visão exuberante do horizonte circunjacente.
Depois, ela mesma começou a se insinuar, abraçando-o, acariciando-o no rosto, e, quase sempre indo por vontade própria descansar sua cabeça no regaço do amigo.
Um dia ele a puxou e a sentou no colo dele. Ela de costas apoiada entre as duas pernas dele, e abraçada pela cintura. Não houve qualquer resistência repulsiva, mas ela se levantou muito prontamente, talvez, apreensiva de uma possível volta repentina de sua prima.
Mas, um caminho de maior proximidade se insinuou silenciosamente a partir daí entre os dois, e mesmo quando, na presença de Geninha, voltava a deitar a cabeça no colo de Antonio, e ele acariciava os cabelos dela, não deixava de sentir uma ternura diferente e um calor que aos poucos ia lhe consumindo.
Ser puxada para o colo uma segunda e uma terceira vez, e se desvencilhar com maior relutância, logo se seguiu.
A quarta sentada, porém, foi definitiva. Fechou os olhos e se entregou docemente e, ato contínuo, aquela sensação prazerosa da infância que experimentava no lombo dos suínos da fazenda lhe assaltou novamente e a despertou de uma longa letargia.
O contato inesperado daquela massa viva, dura, pulsátil, que de entre as pernas de Antonio a acariciou por trás a zonzeou prontamente e um calor subiu em paroxismos pela sua coluna, esquentando todo seu corpo e fazendo sua respiração um tanto difícil. Suas pernas tremeram, suas mãos ficaram mais e mais pesadas, sua boca secou, e, foi sentindo como se desfalecendo, quando os dois braços que a apertavam pela cintura quase a esmagaram. Viu-se como num sonho cavalgando, e, começou a pular na sela como em desabalada correria, até sentir mais e mais, aos poucos, encharcar toda sua calcinha. Em seguida, levantaram-se incontinenti como dois moribundos e procuraram direções e locais diferentes.
Na mesma noite, a cena teve uma segunda e uma terceira encenação, e, cada vez, mais excitante, mais demorada, mais comprometida.
Desde então os dois ficaram mais sedentos, mais sem resguardo, mais e mais decididos, e, uma paixão tão avassaladora, tão premente, tão faminta, de repente, os assaltou, como a dois viciados compulsivos, de uma mesma droga, que quanto mais a consumiam, menos se exauria.
Tudo indica que Geninha se solidarizou desde o início silenciosamente com eles, porque sempre completava o trio somente quando era muito oportuno, e, logo depois, as duas iam juntas e felizes para o descanso noturno de mais um dia.
No quarto, elas continuavam, enquanto era seguro e possível, a exploração lenta e progressiva de suas mais sutis intimidades, e, com o tempo, se tornaram senhoras, uma do corpo da outra, numa dimensão que não mais conhecia limites.
Nunca precisaram, por uma única vez, se deter, em planos, promessas, ou cuidados, para proteger aquele relacionamento inusitado.
Um ano se passou de namoro, dois de noivado, e o casamento foi marcado para dali a seis meses. Priscila completou dezoito anos, e estava cursando o primeiro ano do segundo grau. Antonio já era um membro da família, com a liberdade de ir, de vir, de entrar, de dormir, em ambas as residências da fazenda.
Uma noite, Antonio estava um bom tempo abraçado com Geni, à sua direita, e com Priscila encostada no seu flanco esquerdo, deitados todos na varanda de sempre, e protegidos por um cobertor estendido sobre eles, por estar chovendo, ventando, e a temperatura estar muito fria. De repente, sorrateiramente, Antonio pegou a mão de Priscila e a encostou no sexo dele. Sentiu uma inicial resistência. Esperou um pouco, e, com determinação e audácia insistiu. A mão tremula sentiu o órgão, e, se recolheu, novamente. Começou a beijar Geni na boca, e, a uma nova tentativa vingou plenamente. Abriu com a mão esquerda a braguilha e sentiu sem pressa o gozo duplo de ser acariciado pela boca de uma, e agora pela mão terna, macia, mas decidida da outra. Ao sussurro no ouvido de sua noiva preocupada com a prima ao lado, respondeu:
- Ela está dormindo.
Na mesma noite, no quarto, deitadas, nuas e abraçadas, certamente por lealdade, Cilinha confidenciou o ocorrido à Geninha.
- Você quis, você gostou – ela rebateu. Sorriram e continuaram suas intimidades.
No outro dia, quando os três descansavam, no mesmo cenário de quase todas as noites, Cilinha se pronunciou:
- Toninho, eu contei para Geninha, o que você fez eu fazer com você ontem aqui.
Os nubentes se entreolharam e Geninha acariciou os cabelos de Antonio com ternura, e, passado, algum tempo, foi para o quarto, dormir sozinha.
De início, um silêncio sepulcral se insinuou pesadamente entre os dois. Depois, seus olhares se cruzaram. Priscila foi tocada por uma ternura que nunca havia experimentado antes. Seu coração acelerou, foi ficando sem fôlego, seu corpo foi se esquentando rápida e desmesuradamente, suas pernas foram se enfraquecendo, e trôpega, cambaleante, decidida, encaminhou-se até Antonio e ofereceu sua boca.
Ele a beijou voraz e demoradamente e suas duas mãos firmes prenderam dois seios primorosos. Depois os braços dele a enlaçaram pelas coxas e pelo tórax, levantando-a do chão, espremendo-a contra a parede da varanda. Imóvel, ela sentiu os dentes dele, mordendo sua boca, seu pescoço, onde os vasos palpitavam e ardiam. Deitou-a no chão, e, aquele doce suplício, prosseguiu pelos peitos, barriga, baixo ventre, pernas, pés, e, veio subindo novamente até sua boca sedenta. Virou-a de costas, se deitou por cima dela, e cutucou com golpes certeiros de seu membro aquele desejável traseiro, beijando-a na nuca tensa, sensível, estendida então por tamanho prazer. Ela passou a murmurar repetidamente:
- Quero ser sua.
Arfante, pletórico, trêmulo, Antonio pegou-a no colo, e, a levou para o quarto da noiva. A porta estava somente encostada, a transpôs pesadamente, fechando-a por dentro, com duas voltas na fechadura, e, entre as duas camas, foi despindo-a, e as roupas foram se aninhando em volta dos dois, que, de pé, se abraçavam, se amassavam, se rendiam.
Pegou o colchão da cama desocupada, jogou-o ao chão, e se projetaram ao solo como se fosse um corpo único.
Um quê de animalesco tomou conta de Antonio. As carícias dele se alternavam entre um extremo de força e voracidade e um de ternura e suavidade. As mãos dele percorriam aquele corpo macio, submisso, sequioso de prazer, na sua mais completa extensão e plenitude, e era como se ele a quisesse, ao mesmo tempo, chupar, morder, apertar. Muitas mãos, dentes, e bocas, tocavam simultaneamente a mesma partitura. Ora se ouvia uma marcha marcial, ora uma canção de ninar, ora a melodia se revestia dos arrojos e das variações de uma peça clássica.
De repente, Antonio estirou-se por cima dela em todo o comprimento, como se quisesse ficar grudado nela dos pés à cabeça e como se a esmagasse contra a superfície do solo.
Em seguida, virou-a de costas, e esparramou as mãos dele sobre aquele traseiro majestoso dela, puxou-a até ela ficar de joelhos e a penetrou por trás, descansando dentro dela, e esperou.
Priscila logo tomou a dianteira. Afastou-se vagarosamente, ergueu-se, virou-se de frente, de joelhos, empurrou o amante até ele se deitar de costas, e, com os olhos entorpecidos foi tateando sua boca pelas pernas dele até encontrar seu pênis, que sacudia levemente com cada beijo recebido. Ele segurou a cabeça dela com suas duas mãos e foi comandando o preciso ritmo do movimento da boca dela que continha e acariciava seu membro da glande à base, e vice-versa, de uma maneira continuada mais não estereotipada. Às vezes Priscila alternava sucções, beijos, e pequenas mordidas no pênis e nos escrotos do parceiro.
De repente, Antonio conduziu Priscila a uma posição deitada de costas, e a penetrou totalmente pela frente, e passou a entrar e a sair reiteradamente, gemendo e balançando a cabeça desvairadamente, até que ambos ficaram entorpecidos. O ritmo foi ficando cada vez mais lento e pesado, as mãos foram ficando mais e mais pesadas, e as bocas de ambos não mais fechavam.
Antonio retirou seu membro agonizante daquele lar hospitaleiro, molhou seus dedos no mel que saia das entranhas de sua amada e lubrificou seu sexo. Serenamente, então a moveu, de modo que ela ficou por cima dele, com as pernas atiradas por cima das dele, e, enquanto ele a possuía, podia ver seu membro entrando e saindo dela, e, ficou esperando por ela.
Como ela não acelerou os seus movimentos, ele a fez deitar novamente de costas, agachou-se por cima de sua pelve, e a penetrou por trás novamente, aumentando a fricção à medida que ela aumentava a força de sucção de sua vagina, de forma cada vez mais gradual e prazerosa, como se novas fontes de desfrute houvesse se despertado.
Ele então apressou os movimentos dentro dela e a incitou a gozar junto com ele com palavras de carinho, com as mãos segurando seus cabelos como se fosse às rédeas de um cavalo, e com beijos, lambidas e mordidas na nuca dela compartilharam os espasmos de seus corpos, que primeiro anunciaram e depois desencadearam um prazer deslumbrante, edênico, definitivo.
Deitaram-se de costas, mas logo Priscila começou a tocar o rosto do amante com suas mãos como se o quisesse modelar. Em seguida, passou a friccionar seu corpo no dele com a luxúria de uma cadela, e, a beijar, apertar, morder toda a carne do amante como se quisesse despertá-lo, animá-lo, ou confirmar se aquele homem era verdadeiramente real. Nesse momento, Geni se juntou aos dois e se abraçaram ternamente os três.
Antonio não voltou mais aquele recanto querido. O casamento foi desfeito no dia seguinte, por determinação e desejo de Geninha. Aos parentes e amigos não foi dada uma explicação convincente. Um mês após ela se mudou para o Rio de Janeiro, para estudar e morar com um tio materno. Há cinco anos vive uma relação conjugal estável num apartamento confortável do Leblon com uma policial da Polícia Militar local.
A terceira experiência, e a mais traumática e definitiva, foi a que se passou com Priscila, com um primo dela e um colono da fazenda.
Eduardo, seu primo, cinco anos mais velho que ela, casado com uma esposa simples e dedicada, dois filhos, foi criado na fazenda próxima, na outra margem do Rio Santo Antonio, rio esse, parede-meia, entre as duas propriedades.
Apesar de terem vivido próximos desde a infância pela moradia, até o início de suas vidas adultas, Eduardo e Priscila não haviam compartilhado quaisquer interesses ou intimidades.
Mas foi o destino que os uniu, quando numa manhã de domingo, ele a salvou de ser afogada nas águas próximas de suas moradias. Priscila estava nadando sozinha e foi tragada pela correnteza após um ataque de câimbras e espasmos nos seus dois membros inferiores. Aos seus pedidos de socorro acudiu Eduardo, que, nadando da margem contrária do rio a alcançou e a levou até a margem segura de sua propriedade. O susto foi aterrorizante e as suas lágrimas foram secadas pelas mãos rudes de seu primo. Os dois se deixaram ficar ali por um tempo considerável, muito maior do que o realmente necessário, deitados lado a lado, num cantinho confortável da vegetação ribeirinha.
O acidente ficou como um segredo deles, o local passou a ser visitado cada vez mais a miúdo, sempre que os dois se enxergavam de ambas as margens do rio.
Priscila passou a sentir, diariamente, no mesmo horário da sua ameaça de afogamento, um tremor, que teimava dominar todo seu corpo, associado a um disparo de seu coração, a uma respiração difícil, mãos pesadas e ardentes, peito apertado, uma sensação de desrealização e um medo incontido, o que a fazia se encaminhar imediatamente para o lugar só dela e do primo conhecido.
Eduardo quase sempre a estava esperando, sentado, e, logo à sua chegada se levantava, a abraçava, a confortava em silêncio respeitoso, e, debelada a crise, conversavam, riam, se divertiam.
O quase esconderijo dos dois passou a receber um cuidado esmerado e efetivo, e, alguns apetrechos foram sendo agregados, como um cantil de água, colchões, travesseiros, cobertores, fronhas, que sempre eram guardados no mesmo local protegidos por sacos plásticos, e uma garrafa de cachaça de excelente qualidade. O local foi ganhando em possibilidades de intimidade, e em condições de proteção das intempéries. Os encontros foram se oportunizando cada vez mais e deixaram de obedecer somente ao horário do evento traumático e a se estender por períodos mais dilatados do dia, da noite, e mesmo a perdurar por algumas madrugadas adentro.
Naturalmente que a relação entre os dois passou com o tempo a preencher todas as necessidades de ambos - anímicas, espirituais, instintivas.
Uma noite, estavam os dois recolhidos ao seu ninho, quando uma canoa passou próxima à margem do rio, e, pressentiram que foram avistados pelo seu ocupante, que enrolado num pano, não possibilitou sua identificação.
Não sei se por paranóia, ou por instância real, os dois amantes passaram a ser incomodados por ruídos, deslocamentos na vegetação próxima, até que uma vez Priscila acordou e se sobressaltou na penumbra com a visão de dois olhos flamejantes que pareciam lhe estar espreitando. Gritou. Saíram procurando por perto à volta. Nada foi encontrado – ser humano, animal, ou qualquer alma viva.
Os encontros começaram a ser postergados, dificultados, quase suspensos, por única e racional determinação dela. Passaram com menor freqüência a se encontrar em locais próximos de suas residências, em momentos propícios, mas com extrema menor possibilidade de se conseguir manter o necessário anonimato.
Aproximadamente um mês após, num final de tarde, Priscila estava sozinha na sua residência, todos tinham saído, e, foi até o terreiro próximo ao pasto de porcos magros para pegar umas folhas para fazer um chá. Voltando se deparou com o vaqueiro Deolindo - baiano rude, amorenado, de meia idade, mal encarado, alto, esguio. Nunca havia trocado uma única palavra com ele.
O colono há quinze anos vivia com a mulher e sete filhos menores, numa pequena casa e num pedaço de terra que o pai de Priscila lhe dera para plantar à meia. Ninguém sabia com certeza de suas origens, detalhes de sua vida pregressa, e o verdadeiro porquê de ter vindo para tão longe viver sua vida.
Era detestado pelo padre local porque recebia em domicilio clientes para desvelar suas sortes e seus destinos através dos búzios. Somente quando atendia aos que o procuravam se podia escutar sua fala; nas outras condições era um sujeito mudo, sorrateiro, esquisito.
Deolindo se postou na frente de Priscila, olhou-a fixamente como se a hipnotizá-la, pegou-a pelo pulso direito e a foi puxando, sem pronunciar um “a”, para um pequeno cemitério dentro da própria fazenda.
Ela não resistiu.
E em meio aos túmulos de descanso eterno de seus antepassados, rasgou os botões de sua blusa, e começou a chupar seus seios com uma fome desvairada, bestial, incontida. Sua boca faminta aninhava de uma só vez cada um deles, em cada bocada, e, só os alternava quando sua respiração se interrompia, ou quando beijava seus mamilos, que foram ficando ingurgitados, vermelhos, quais duas pontas ígneas.
Apesar do escabroso e inusitado momento, Priscila se mostrou serena, inteira, empedernida. Saciada talvez a inicial fome, o vaqueiro abriu a braguilha, e mostrou seu membro flamejante, roliço, como o de um cavalo no cio. E disse:
- Chupa sua cadela fudida como a de seu primo querido – e agarrou-a pelos cabelos e foi enfiando seu falo na boca dela até não ser mais possível. Cilinha não se intimidou e o chupou sem qualquer relutância e de forma prodigiosa e contínua.
Seguiu-se o arrancar das calças e calcinha dela, o ser virada de costas, o ser espremida de bruços na tumba de seu bisavô para sempre adormecido, e, o ser seviciada pelo ânus, agarrada pelas nádegas por duas mãos ásperas, pesadas, mortíferas. O vaqueiro gemia, bufava, tremia, à medida que desvirginizava com volúpia aquele recinto até então incólume, sagrado, incorruptível. Finalmente, Deolindo agarrou seu membro com a mão direita e molhou por inteiro as costas e as nádegas de Cilinha. Ela permaneceu imóvel, submetida, silente, deitada de frente na última morada do pai de seu pai. Passado algum tempo, o vaqueiro avisou:
- Levanta, pega sua roupa, e bico calado. Sou capaz de morrer e de matar por você, sua cadela gostosa. Espero você amanhã aqui bonitinha às cinco da tarde.
Priscila pegou suas roupas rasgadas e sem se proteger se encaminhou calmamente de volta para sua casa. Foi direto para o banheiro e tomou um banho demorado, e, se deitou no piso do Box e deixou a ducha fria arrefecer e massagear todo o seu corpo. Encaminhou-se depois para seu quarto, trancou a porta, e se deitou nua, coberta por um simples lençol, numa posição fetal, colocou as mãos apertadas entre as pernas, como que a acariciar sua vagina há pouco preterida, desprezada, humilhada, e, dormiu.
Passou a se encontrar com Deolindo cada dois a três dias, e, algumas vezes, o procurava, em horas as mais inoportunas e o levava simplesmente com um olhar, direto para a morada dos mortos para viver perigosamente tudo aquilo que sabia era o mais proibido.
Os encontros com Eduardo foram se arrefecendo, se distanciando, se vulgarizando pela rotina, e ele, foi se ensimesmando, se enciumando, se fragilizando.
A aventura com Deolindo cada dia mais surpreendia Priscila e apesar dele manter sempre, de início, a mesma conduta sexual predatória, agressiva, dominadora, após pouco tempo já começou a se mostrar mais acolhedor, mais carinhoso, mais protetor.
Logo ele foi se acostumando, e ficando mais íntimo de Cilinha, da boca, da vagina, e do ardor do corpo dela, e passou a sodomizá-la somente quando ela própria pedia e insistia. Priscila passou a gostar de ficar sentada no colo dele, encostada no túmulo de seu bisavô - marco de toda aquela relação -, sentindo-o todo dentro dela, com os braços dele a enlaçá-la por trás, e as mãos dele a conter por inteiro os seus dois seios sempre hirsutos e sensíveis. Os encontros passaram, às vezes, a se estender por toda a madrugada.
Um belo dia, digo, uma bela noite, de céu estrelado, e de lua minguante, no momento do primeiro gozo, Deolindo e Priscila se ressentem da intromissão inesperada de Eduardo, que com uma faca em punho, ameaça a ambos, com impropérios e ameaças, e parte decidido e frontal para ambos.
O vaqueiro se interpõe entre o agressor e a sua fêmea, protegeando-a, e recebe uma facada que desviada lhe atinge a coxa direita de raspão.
Abraça seu algoz e o arremessa ao solo e se enfrentam numa luta renhida. Eram semelhantes o ódio, as condições físicas, e a rudeza de ambos os contendores.
O membro armado de Eduardo é mordido com tamanha ferocidade que ele deixa a faca cair, e, ato contínuo, recebe-a de volta em várias punhaladas na região posterior de seu tórax. Deolindo certo que ele já não mais existia, veste a roupa apressado, guarda a arma, e, junto à Priscila deixa a área do crime.
O corpo de Eduardo só foi localizado na tarde do terceiro dia após sua morte, avisado pelos urubus que começaram em revoada indicar com certeza a área isolada do cemitério.
O vaqueiro na manhã que sucedeu ao assassinato já não foi mais encontrado, porque abandonando a maioria de seus pertences, evadiu-se junto a toda sua família. Com essa atitude foi denunciado à população o criminoso, mas ninguém até hoje sabe ou suspeita nada mais sobre as razões do delito.
Um ano após Priscila foi morar em casa de parentes em São Paulo, onde fez um curso técnico de enfermagem e foi ser instrumentadora cirúrgica numa Clínica de Cirurgia Plástica de renome nacional.
No segundo ano de trabalho e já modestamente estabelecida na grande metrópole, suas crises de pânico voltaram a vitimá-la e teve de abandonar seu serviço.
Felizmente sua convivência com homens ricos e poderosos lhe oportunizou um viúvo ainda nos seus quarenta anos, rico, e ardentemente apaixonado, que logo a desposou após a primeira filha.
CARLOS VIEIRA
Enviado por CARLOS VIEIRA em 14/02/2007
Código do texto: T380620
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