O FREGUÊS DE VELÓRIO
LÁ EM CORONEL FABRICIANO tem um cara, o Gilberto Cabeção, meio retardado, mas muito popular e querido pela população como um todo.
Sua característica principal: o amor por velórios. Um amor, realmente, imponderável, compulsivo, constrangedor mesmo e, sem discriminação de qualquer ordem pelas condições do falecido. Pobre, feio, rico, bonito, remediado... É morrer alguém na cidade ou arredores e ele é um dos primeiros a chegar.
Eis que morreu um fazendeiro importante em Timóteo, cidade próxima há oito quilômetros. Cabeção, duro como sempre e, não conseguindo carona, foi a pé mesmo.
Chegou pela madrugada; lá pelas duas horas.
Na sala da casa principal da fazenda muita gente em volta do defunto, o quintal apinhado de concidadãos em conversa animada e a viúva preparando mais uma rodada de café.
Estava muito frio e o Cabeção, muito à vontade, logo ao chegar já foi inquirindo:
- Oh gente! Alguém trouxe pinga aí?
Sem resposta, continuou:
- Oh gente! Ta muito frio! Ôces trata de colaborá ai cada um com um dinheirinho pra comprá uma garrafa de pinga e a gente se esquentá um pouco.
Não demorou quase nada. Arrecadou uns cinco reais.
A viúva vendo aquela movimentação foi saber o que estava acontecendo. Ficou constrangida e argumentou:
- Olha Gilbertinho, se ôce tivesse me falado eu mesmo lhe daria o dinheiro pr´ocê comprar a garrafa de pinga, Sô.
Ele em tom compreensivo retrucou:
- Não precisa dá nada não Dona Mariinha. A senhora já fez sua parte: já entrô com o defunto. Deixa que o resto eu mermo me viro.
Dez horas da manhã, começou a sair o enterro da casa do falecido rumo ao cemitério. Cinco quilômetros. Seis distintos amigos carregam, de início, o caixão; e, logo vão alternando essa deferência com outros parentes, amigos e, mesmo com grande número de habitantes da cidade.
O filho mais velho na frente carregando uma cruz – um costume do interior das Minas Gerais. Não é que o Gilberto Cabeção, que naturalmente havia usado a maior parte da garrafa de cachaça para esquentar a si próprio, se arroga o direito de carregá-la. E trôpego, cambaleante, falante, começa a tentar tomá-la das mãos do consternado e indefeso primogênito, e de outros, que depois intercederam ajudando-o. Tal era o ímpeto da sanha de ser o portador da cruz que só foi contido após ser esmurrado, chutado, empurrado, até ser projetado ao solo.
Não se deu por vencido:
- Oia, ôces enfia essa cruz e esse defunto naquele lugá. Lá em Coronel Fabriciano tem defunto muito melhor que esse, viu?