OS CASOS DO ZÉ AMÂNCIO

- Casou, não deu certo. Voltou para dentro de casa. E, não voltou sozinha não, voltou trazendo uma filha de quatro pra cinco anos.

- Que pena!

- É. E eu fico imaginando... A pessoa quando está namorando, é beijo na boca, é aquele excesso de carinho, de agarramento, um senta no colo do outro. Casa, não dá certo, vem a separação.

- Pois é, sai um de casa e volta dois. Se não voltar com mais, né? Por que será que isso acontece?

- Olha, no caso da Dircinha, os pais dela são de poucos recursos, a menina é filha única, o pai Jerônimo é epiléptico, e a mãe não está se agüentando mais tentando um benefício ou uma aposentadoria. Eles são trabalhadores rurais, com pouca ou nenhuma escolaridade, e a filha que conseguiu estudar mais um pouquinho, deu no que deu.

- Mas dizem que eles não queriam o casamento, né?

- É, mas quando a cabeça não pensa o corpo padece. Se bem que em casa de pobre onde come um ou dois, come uma dúzia, não é mesmo?

- É.

- Mas hoje ela ta lá na Pizzaria bem colocada, e já tem cinco anos morando com o Toninho do Zé Constâncio. A filha Joseni é mais agarrada mesmo é com os avós.

- E o ex-marido?

- O ex-marido disse que enquanto pudesse atormentar a vida dela, ele ia atormentar. Levou a Dircinha na delegacia, no conselho tutelar, mas na verdade ele não liga nada para a filha. Se gostasse ele dava pensão, não é mesmo? Jerônimo não gosta de ver nem a sombra dele.

- Dizem que ele foi pro Estados Unidos?

- Foi, mas não ficou lá nem um ano e hoje fica lá na cidade zanzando pra lá e pra cá. O meu sonho é sair lá do Guarani e levar eles comigo. Eu moro pra lá da Conceição, no Baixio. Eles moram lá na cidade.

- E como a Dircinha veio se interessar por esse danado desse Antonio Grande.

- Antonio Grande. Grande só no nome. Quando o Toninho começou a se enrabichar com a Dircinha ele cascou fora. É mesmo um covarde. Mas já tinha quatro anos que ela namorava um rapaz lá da Roça, O Valdete, e a gente fazia muito gosto. Sem mais nem menos, largou ele e namorou seis meses o Antonio Grande e deu de casar com ele.

- Que paixão hein?

- Paixão nada. Deve ter sido alguma manha dele com ela. Uma vez só que ele foi lá na roça, ela ficou gostando dele – não é possível, é? Nem sei o quê que ele fez que assim que ela viu ele ficou gostando dele.

- E ele trabalhava de quê?

- Não, não trabalhava de nada não. Vivia com os pais dele – aposentados.

- E o namoro dos dois?

- O namoro era lá na casa da Dircinha mesmo. Os pais não deixavam ela sair, porque a menina de uma hora para outra virou a cabeça. E ele não saía de lá. A mãe dela varrendo a rua pela Prefeitura e ele lá. Ambrosina morria de raiva. O Jerônimo do lado vigiando.

- E ela não estava estudando?

- Tava, mas parou. Não dava pra os pais ficar andando atrás dela. Estudou até a oitava série. Menina nova – eu queria que ela estudasse mais.

- Que pena!

- Hoje, eu falo com ela. Pois é – você jogou tudo fora.

- É, mas ela trabalha lá na Pizzaria.

- É, e é muito esforçada.

- Mas o Jerônimo adoeceu quando?

- Foi logo depois que começaram a criar a Justine. Ele trabalhava na penitenciaria. Era agente penitenciário. E tava de plantão naquele dia da fuga. Coitado, ta afastado até hoje. Deu depressão. Os presos tentaram pegar os agentes. Botaram fogo nos colchões, subiram no telhado, com barra de ferro, com faca, com revolver, aqueles que eles podiam agarrar, tornaram reféns.

- É, eu lembro bem. A revolta começou de manhã e foi um tormento por três dias. Os familiares pela rua afora em desespero, chorando pelos parentes que estavam lá com os presos, e eles ameaçando os agentes com as armas.

- Teve um que eles jogaram de cima do telhado. Ta entrevado até hoje.

- É, todos os agentes devem ter ficado traumatizados com a situação que depararam, né?

- Uai, até hoje, minha irmã acorda, às vezes, e pega o Jerônimo chorando pelos cantos.

- Isso já deve ter uns cincos anos, né? Os agentes e a cidade naquela agonia por três dias. Eles sem comer, sem dormir, debaixo do ameaço de morte, com avião passando por cima deles e as radiopatrulhas rodando em volta da penitenciária com o alarme ligado.

- Lá de casa a gente via tudo lá do morro. Nessa época a Dircinha já morava com o Toninho do Zé Constâncio. A mulher dele largou ele por outro e foi aí que eles juntaram os panos. Os dois filhos dele foram com a ex-mulher, a Lucimar. Ela é até cabeleleira, tem um salão lá no centro do Guarani, na Avenida Manoel Machado. Quando eles separaram os meninos tava tudo novinho. E logo ela arranjou mais dois filhos sem ser do Toninho, um com um e outro com outro homem.

- É? Lá no Guarani dá de tudo, né? Tem caso de toda espécie.

- Você lembra do Sebastião do João Camilo. É até primo da mamãe. Ele era casado com a Maria. A Maria treiteira. Um belo dia ele chega em casa e encontra ela com o Zé Amâncio, na cama. Ele começou a chorar e voltou pra trás.

- Que situação!

- A mulher engravidou do Zé Amâncio e nasceu uma menina. Não é que o besta do Sebastião registra a menina no nome dele.

- E continuaram a viver junto?

- Seis anos ainda. Houve a separação, quando a menina já tava grandinha, já tava com seis anos. Aí que o pataca separou. Viveu um tempo sozinho, e arranjou uma mulher com três filhos.

- É?

- O Sebastião tinha cinco filhos e na separação os filhos quiseram ficar com ele.

- E a menina?

- De início, ele não levou ela não. Deixou com a mãe. Quando ela foi crescendo a cara dela era a cara do amante e ele começou a correr atrás de desresgistrar a menina.

- E conseguiu?

- Não, eles aconselharam ele, a fazer esse tal de DNA. Mas o Zé Amâncio morreu e ele levou a menina pra morar com ele.

- Interessante.

- Aí, os filhos do Sebastião cresceram, ficaram rapazes. E não é que a mulher que o Sebastião arranjou traiu ele com o filho dele mais velho.

- Que coisa!

- E a mulher foi criando o filho do filho do Sebastião e continuou a ficar com os dois. Nasceram mais três filhos do filho do Sebastião e foram registrados como filho do Sebastião.

- E ele sabia?

- Claro que sabia. Não teve outro jeito. Ele ficou por uns tempo criando a filha do Zé Amâncio, os quatro filhos do filho dele, e mais os cinco filhos dele mesmo.

- Ficou tudo em família, né?

- Não, não ficou não. O filho mais velho do Sebastião achou de tomar por inteiro a mulher do pai. Ficar com ela só pra ele mesmo e levou os quatro filhos dele. E o Sebastião ficou chupando dedo, fazendo o que o peixe faz.

- O quê?

- Nada.

- Dizem que esse Zé Amâncio era treteiro como ele só também né?

- Se era. Morreu bisavó, mas engravidou muita mulher por aquelas bandas. Ele não tinha nada de boniteza, nem de dinheiro, mas tinha muita lábia.

Alto, forte, calvo, motorista de caminhão, trabalhava na caldeiraria Almeida, mexendo com lenha, num caminhão, velho, fudido, mas era conquistador nato, melhor que o dom Juan ... E corajoso. A família dele toda continua morando em Guarani. Morreu há pouco tempo um filho dele maconheiro bravo – cheio de facadas na barriga e nas virilhas.

- ...

- Morreu como um passarinho, amparado pela mulher e todos os filhos.

- Pois é comadre, esse mundo ta é degenerado né?

- Ta não compadre. São coisas da vida.

- Pois é no fundo essas estórias chega a me dar até uma gastura, um arrepio na espinha. Eu sempre quis ser mais atirado, mas essa danada dessa timidez minha...

- Oh compadre. Fica assim não. O que o senhor tem é de atacar a fera.

- Oh comadre. Vê se me ajuda. Vê se me dá uma forcinha.

- Mas que forcinha compadre?

- Ora um abraço, comadre. Um beijo.

- Oh compadre. Não faz assim não. Deixa primeiro eu fechar a porta.

- Oh comadre!

- Oh compadre! Que mundo degenerado, mas tão bão.

CARLOS VIEIRA
Enviado por CARLOS VIEIRA em 14/02/2007
Código do texto: T380649
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