Diálogo no cemitério

A temperatura estava agradável e um vento frio corria pelo seu rosto. Parado, em pé, com as mãos juntas à altura da cintura, Felipe olhava com atenção o túmulo a sua frente. De mármore cinza, com uma grande cruz e a foto de uma pequena criança acima do nome grafado em alto relevo: Angelina Alves, com a data de nascimento e falecimento, atestando que tinha apenas nove anos quando deixou esta vida.

Fazia seis meses desde o falecimento súbito da sua única filha, e Felipe ainda não se recuperara da dor, vivia uma depressão sem fim. Era absurdo que ela estivesse tão bem durante a tarde e à noite começasse a crise que a tiraria de sua vida e da sua esposa, Paula, que apesar de muito sofrer mostrava uma incrível resolução de seguir em frente, maior que a do marido.

O pequeno cemitério era bem cuidado, quase todos os túmulos eram de mármore, com espaços bem definidos entre eles, permitindo que as pessoas visitassem seus entes queridos. E àquela hora, 9h00 da manhã, não havia mais ninguém, estava só. Devia ter ido trabalhar, no entanto, não foi, mais uma vez faltou com o compromisso, apesar de ser um homem compreensivo, o seu patrão estava começando a perder a paciência com o funcionário sempre aplicado, mas relapso nos últimos tempos. “Que me demita não me importo mesmo”, lacrimejava Felipe.

Não ouviu os passos, apenas a voz imponente atrás de si.

- Bom dia – disse o senhor de aparência bondosa.

- Bom dia – respondeu Felipe virando-se e encarando o homem. O senhor que aparentava 50 anos vestia uma calça social cinza escuro, e uma camisa de botões branca. Calçava um par de sapatos pretos.

- Está uma manhã muito agradável – disse o senhor.

- Esta sim – respondeu Felipe desconfiado.

- Deixe eu me apresentar meu nome é Nonato Mendes – apertaram-se as mãos – parece que você chora a perda recente de um ente querido.

- Sim, minha filha – disse Felipe apontando para o túmulo – faz seis meses que ela morreu.

- Lamento. Essas perdas são difíceis de esquecer, as cicatrizes ficam – comentou Nonato.

- É verdade, pessoalmente não consigo esquecer a minha perda. Acordo à noite achando que ela está chorando e chamando por mim, como estava, minutos antes de perder a consciência e falecer.

- Talvez esteja – comentou o senhor.

- Como? – disse Felipe com um misto de horror e raiva daquele desconhecido – Como pode dizer uma coisa dessas? Quer me ofender?! – indagou com uma veia saltando na testa e o tom de voz alterado denotando a raiva que crescia.

- Não sei muitas coisas, apesar do tempo que vivi, mas sei de algumas e posso compartilhar com você. Quando uma pessoa deixa esta vida é importante não nos apegarmos tanto ao sofrimento, pois este pode acompanhá-la em uma outra jornada. É importante preservar a memória dessa pessoa, no caso sua filha, para que ela viva em seu coração, mas para que ela esteja feliz você deve se desprender da dor, assim ela finalmente terá paz. Talvez o que você escute nos sonhos seja a manifestação dela desejando que você prossiga.

Subitamente a raiva de Felipe se desvaneceu. O discurso não era novo, já havia ouvido algo semelhante, mas não de uma maneira tão franca.

- Você é alguma espécie de padre ou pastor? – perguntou Felipe já com um tom de voz brando.

- Não, nem um nem outro. Digamos apenas que eu conheça um pouco do assunto – respondeu Nonato Mendes com um sorriso amigável.

Felipe se sentiu estranhamente reconfortado. Olhou para o túmulo e o rosto sorridente de sua filha na foto. Ergueu o braço e leu as horas no relógio de pulso: 9h30min.

- Foi um prazer conhece-lo, senhor Nonato. Nunca o vi por aqui antes, talvez um dia possamos conversar mais.

- Talvez – disse o senhor.

- Agora tenho de ir, estou atrasado para o meu trabalho. Mais uma vez foi um prazer conhecê-lo - Acenou e saiu em direção ao portão do cemitério, iria retomar a sua vida.

Nonato o observou com uma expressão de satisfação no rosto, pôde ajudar mais uma pessoa que sofria, virou-se e sumiu.

Na pressa Felipe não notou que junto ao portão, logo na entrada do cemitério, havia um túmulo com aspecto bem conservado, uma foto e a inscrição: “Aqui jaz Nonato Mendes, amado marido e pai de família, conhecido pelo desejo abnegado de ajudar o próximo”.

FIM.

Aermo Wolf
Enviado por Aermo Wolf em 01/08/2012
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