CHEGADAS E PARTIDAS

No escritório do pai, escondida embaixo do antigo birô, seu recanto preferido, Cecília permanecia acocorada esperando o choro do irmãozinho que estava para chegar. Alguém lhe dissera que a cegonha passaria por sua casa nessa noite, e a menina aguçava os ouvidos esperando algum som que a denunciasse, mas os minutos passavam e nada.
Vira quando o pai fora buscar uma senhora que chamavam de parteira, Dona Noêmia, que já estava na cozinha fervendo água: para que seria? Suas irmãzinhas menores já dormiam, mas ela estava muito ansiosa pela novidade e decidira esperar acordada. Na inocência dos seus seis aninhos, tentava entender a movimentação daquela noite. Não se lembrava de ter visto nenhuma cegonha quando suas irmãs nasceram, nem se lembrava de nenhum fato importante nesses dias. Agora, no entanto, ela observara o ventre aumentado de sua mãe e ouvia as pessoas dizerem que ela estava esperando bebê. O que ela não entendia era a relação que havia entre a barriga grande da mãe e a vinda da cegonha. Gostaria de entrar no quarto da mãe, mas a porta estava fechada e ela ouvia vozes lá dentro. Por que não a deixavam entrar? As pessoas grandes gostavam de fazer mistério das coisas, não entendia bem por que.
Enquanto esperava, seu pensamento começou a divagar. Recordou aquele dia que tinha passado na casa de sua tia e brincado no terreno da fábrica com seus primos. Era uma fábrica grande, mas ela não sabia de que era. Sabia que seu tio atravessava o terreno que separava a casa da fábrica e ia trabalhar. Gostava de ir brincar com seus primos, como gostava também de brincar com as crianças vizinhas na casa de seu avô, que ficava ali pertinho, passando apenas a casa de seu Joaquim. Mas ela não gostava de passar sozinha pela calçada que separava as duas casas, pois viu quando Seu Joaquim chegou certo dia, em um carro branco, vindo de Natal, e lhe disseram que ele estava internado lá em um hospital chamado hospício, porque estava nervoso e quebrava coisas em casa. Lembrou-se de seu querido avô que morrera há poucos dias. Seu avô que a levava para sua casa e a tomava no colo para o balanço na rede armada no canto da sala de jantar, a oferecer descanso e aconchego. Ela já sabia que ele trazia sempre nos bolsos os deliciosos confeitos que comprava na bodega da esquina especialmente para ela e suas irmãs. Havia também as balas de goma e biscoitos deliciosos. Mas um dia aqueles momentos tão especiais acabaram: seu avô ficara doente e ela passou a sentir as pessoas mais sérias. Não sabia ainda que existia o medo, a tristeza, mas se lembrava de ver seu pai, sua avó e suas tias com uma expressão diferente, como se alguma coisa muito ruim estivesse para acontecer.
Seu avô agora estava sempre deitado na rede armada no quarto, e ela lembrava-se de ter visto sua mãe de pé, segurando o punho da rede e balançando para lá e para cá, como se estivesse embalando uma criança. Via os homens que chamavam de doutor entrarem e conversarem com seu pai e seu tio, todos muito sérios. Passou-se algum tempo e ela ouviu alguém dizer que ele estava muito doente. Até que um dia lhe disseram que ele havia morrido. Correndo, entrou na casa dos avós e viu a porta da sala da frente aberta, o que nunca acontecia, pois sempre entravam pela porta da sala de jantar, no fim do terraço. Algumas pessoas falavam baixinho e se lembra de ter ouvido outras chorando: na sala estava um caixão e dentro dele o seu avô parecia estar dormindo. Ela se aproximou tentando entender: aquilo era a morte? Ao lado viu seu pai e sua mãe, seus tios e os primos mais velhos. Ela não entendia muito bem o que estava acontecendo, mas estranhou o rosto sério de todos e também sentiu vontade de chorar.
Cecília passou por ali e entrou em um dos quartos: sua avó, sentada na cama, tinha os olhos vermelhos e um lenço nas mãos. Estava cercada de amigas que pareciam tentar consolá-la. Devia ser muito ruim morrer, pois todos estavam chorando e muito tristes. Pessoas entravam e saiam, até que a casa ficou cheia de gente. Alguém passou servindo café em uma bandeja, e os homens se serviam do café e conversavam muito. Já à tardinha viu alguns homens pegarem o caixão e saírem com ele e o seu avô lá dentro. Todos saíram caminhando em direção à igreja, mas sua avó não foi. Então, sua mãe a levou para casa e ela não pode ver mais nada.
Seguiram-se uns dias diferentes: era proibido ouvir o rádio, sua avó e suas tias passaram a usar uns vestidos pretos, e Cecília ouviu alguém dizer que elas estavam de luto. Seu avô fora embora naquele caixão e ela nunca mais o vira. Nunca mais o balanço na rede, nunca mais os passeios com ele até à bodega, segurando em sua mão tão forte, nunca mais os doces confeitos. Nunca mais ele sentado à mesa com sua avó e suas tias. Seu pequeno coração andava apertado. A morte. Como era estranha e como deixava as pessoas tristes.
Agora ela estava ali, escondida debaixo do birô, esperando uma chegada. A chegada de uma nova vida, de mais um irmão. Ouvira dizer que seu pai queria que fosse um menino. Ela também achava que seria bom, pois só tinha irmãs. Imaginava que nome lhe dariam. Ela própria tinha uns nomes preferidos, mas não ousava sugerir. De tanto esperar, terminou por cochilar e sonhou com anjos e fadas. No sonho ouvia o choro de uma criança, e acordou ouvindo um choro real: seu irmãozinho acabava de nascer! Ela correu para a porta do quarto, e de fora viu que a parteira estava com o bebê nos braços e o enrolava em panos muito alvos. Sua mãe estava deitada na cama e parecia estar muito cansada. A barriga desaparecera, ela vira muito bem… Mas nada indicava a visita de uma cegonha… Então viu seu pai com um grande sorriso no rosto sempre sério: enfim, um menino! Seu pai pegou-a pela mão e levou-a para ver o bebê. Teve vontade de pegá-lo no colo, mas não ousou. Seu pai então a levou até o quarto onde dormia com as irmãs.
Cansada da longa espera, Cecília deitou-se na sua cama. Queria que aquela noite passasse depressa, pois já imaginava o novo dia cheio de novidades, de visitas para sua mãe e da alegria de suas irmãs com o novo irmãozinho. E assim, entre cansada e ansiosa, Cecília adormeceu.