SEM VALOR

Vi um corpo... Sim, já não era mais que um corpo. Há pouco tempo não o era, aliás, há pouquíssimo tempo passara a essa condição. Impressionou-me a alvura de sua tez, clara a confundir-se aos lençóis brancos do leito. Imóvel agora estava aquele corpo e do aparelho sobre o leito, sem imagens, tonitruava um som agudo e contínuo, muito intenso.

Senti um cheiro forte no ar, um mau cheiro vindo daquele corpo sem luz e que nos últimos minutos teve o peito quase esmagado por fortes mãos enluvadas, tentando prolongar-lhe a vida. Fiquei parado. Atônito, o meu pensar transferiu - me para setenta ou mais anos atrás. Possivelmente a jovem agora se iniciando moçoila via-se intumescendo os seios. Tempos depois esses seios seriam desejados e mostrados ao primeiro par. Carícias após estariam amamentando o primogênito e a esse lhe seguiriam mais quantos. Hoje só restara uma pequena mancha desses seios desnudos em um leito branco.

Aqueles fios de algodão em sua cabeça, curtos e ralos, outrora devem ter sido fartos. Claros, negros, castanhos...

Voltei ao ambiente real quando comecei a ouvir um choro inicialmente contido, depois forte choro que em segundos formava-se um coro de sons. Ais, soluços e gemidos me tamborilaram os ouvidos.

Formava-se em frente ao homem de branco o grupo choroso e passaram a escuta - lo atentamente sobre porque foram inúteis os procedimentos. Não dava mais para ser, foi-se com o tempo.

Todos, confortados, agora trocavam palavras de consolo e me chegou aos tímpanos o som das perguntas mais repetidas; onde faremos o velório e o enterro quando será. Saíram da sala discutindo esses assuntos agora mais importantes. O corpo ficara lá. Pálido.

De repente observei barulhos que sugeriam movimentos no leito. Corri para a cortina e me deixei observar os procedimentos das enfermeiras que giravam o corpo; de um lado, do outro, em decúbitos, envolvendo-o ao final num branco lençol.

Depois veio a maca e homens verdes levaram aquele pacote de tecido branco. Lá dentro se enrijeceria o corpo alvo, agora esverdeando - se...

thiticobomfim
Enviado por thiticobomfim em 16/09/2012
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