Medellin

Ele me mostrou os óculos dobráveis, um par original ray ban, e tinha um sorriso de orgulho no rosto. Havia sido de seu pai, morto pelos homens de Escobar num tiroteio há uns vinte anos, acho. Os óculos tinham ficado pra ele. “Veja, são velhos mas estão como novos!”

Quando pedi para tirar uma foto ao seu lado, o soldado olhou para seu superior aguardando autorização e percebi que para ele passaram como décadas até que aquele aceno de cabeça viesse aprovando a solicitação. Ele mantinha um olhar sério, treinado, para a câmera, a fim de não demonstrar alegria ou tristeza, orgulho ou vergonha, um homem duro como uma rocha, inabalável, mas quando o flash disparou, no último segundo, ele deu um sorriso que ficou guardado pra sempre na fotografia. O coração insurgente ainda fazia emergir em seu rosto relances de orgulho.

Mais à frente, os motoristas buzinavam e acenavam dando vivas aos seus companheiros em roupas verde-camufladas, “los salvadores del país”.

Há 3 meses ele foi embora, depois de viverem juntos por 5 anos, abandonando-a sem entender nada, e agora ela sempre chora antes de entrar na sala, quando tenta esconder os olhos vermelhos por detrás das páginas cheias de uma língua estrangeira de um lugar próximo.

E o orgulho que ele sente do pai está em tudo, do jeito de andar ao olhar nas fotografias. E o orgulho que o pai sente dele vem em forma de sorrisos e da saudade expressa em quase todas as frases proferidas. No feriado estarão juntos de novo e a mãe vai fazer um jantar “muy hermoso”, ele diz.

Os caras da pizzaria gostam de conversar comigo pra ouvir meu sotaque. Eu invento um portunhol, porque nunca estudei a língua que falam aqui. O cara que prepara a massa sempre diz alguma frase da qual só entendo “Ronaldinho”. O cozinheiro adora a Carla Perez. Eu converso com eles quando volto do trabalho. Um tem orgulho de ser paisa. O outro, de ser de Antióquia. Os dois são grandes amigos.

Ele mora com alguns amigos quase dentro da reserva ambiental, bem perto do vulcão, e caminham pelas montanhas pulando penhascos nos finais de semana. Quando precisa de dinheiro, dá aulas na universidade. Semana passada o vulcão começou a expelir cinzas. As pessoas na cidade começaram a ficar com medo. Ele colocou uma máscara daquelas de hospital e, com seus amigos, foi caminhar nas montanhas.

Eles trocaram olhares por quatro anos, mas não trocaram nenhuma palavra. Uma madrugada, às quatro, ela chegou bêbada em casa e ele estava na porta. Ela perguntou-lhe o que ele fazia ali. Ele disse que estava a lhe esperar. Agora já estão juntos há quatro anos.

Ele muda o tom de voz sempre que tenta falar em português. Os amigos acham engraçado, porque ele é um sujeito grande e de aparência brutal. Mas ele diz que o português é uma língua romântica e deve ser falado assim. Ele quer aprender muita gramática porque acredita que assim vai falar corretamente.

Ele veio para cá depois que se apaixonou por uma colombiana. Largou tudo, veio com o que tinha. Segunda-feira passada, ela teve uma crise de ciúmes e o colocou na rua com suas coisas. Ele está morando em um albergue. Vinte mil pesos por noite, uma pechincha. Confidenciou para mim que ela o ama, que isso é só uma fase.

Ele se casou com um colombiano e me disse que sempre saem nos finais de semana. São um casal muito feliz. Mas seu amigo não teve tanta sorte. Tinha que sustentar um cara e acabou se divorciando. Agora pensa em voltar para casa. “El amor no es para todos.” ele me diz num espanhol cheio de sotaque.

Eu olho pela janela à noite tentando ver Medellin. Eu vejo uma cidade. Ela só me diz uma coisa: a América, na verdade, nunca foi descoberta.