Os amores, os tremores e os cafés

E eu estava lá, com aquela xícara de café ao meu lado, repousada e levemente inclinada no braço do sofá. O café ainda estava quente, apesar de todo o tempo que eu estava ali, diante toda aquela imensidão do papel, e de toda minha ânsia por dizer-te o que queria e deveria, mas não podia dizer-te. Não podia, pois minha mente divagava nos ascos e malquereres de pensar em ti longe de mim. Não podia mencionar-te distante, nem escrever-te em minhas linhas tortas e palavras frouxas, pois dilacera-me imaginar-te flutuante, e eu aqui, num azo desconcertante de cafés que esfriam.

A caneta que pairava ao lado do papel me desconcertava. Numa angústia cerne, faltam-me as palavras. As expressões. Numa primeira ilusão de desejo, a falta de léxico me consome por dentro. Sua autoridade intrínseca em mim, subverte minhas palavras. Afogo-me em tudo que não organizo em entendíveis palavras.

O relógio no meu pulso que soa estridente e, ao mesmo tempo, suave, à cada hora, emite um som frágil que rompe minha angústia inexpressável, e me retoma na realidade da minha sala inquietantemente minha, me implanta a lembrança das minhas costuras internas. Horas emendadas nessa sala. Horas extensas coladas, costuradas e bordadas nesse tumulto irrevogável, nesse permute de saudades e solidão incaláveis. Talvez seja o terceiro ou quinto toque desde que fiz esse café.

Meu café quase frio, quase morno ou quase quente, absorve o vazio extremo da sala. E o papel, que continua branco, e as linhas que me parecem tortas demais, e a caneta que me parece insuficiente, remoem em mim a ausência das minhas falas. Porque sempre faltam-me amores. Faltam-me presenças. Faltam-me encantos. Mas, assombrosamente, hoje faltam-me palavras.