Lindinho da Mamãe

Ele parou diante do espelho, cumprindo o mesmo ritual de todas as manhãs. Fitou-se por vários minutos tentando gostar do que via. E, como sempre, não adiantou nada.

"Sou horrível" - pensou ele.

E o pior é que era mesmo. Orelhas de abano muito grandes para um rosto descarnado e ossudo. A boca, um rasgo sem lábios, o nariz adunco e olhos verdes que pareciam querer saltar das órbitas. Tudo isso, sem falar do corpo franzino e magérrimo. Era tão magro que chegara a cogitar se não viera, por engano, de um campo de concentração nazista. Talvez, a mãe o tivesse encontrado no lixo.

A mãe! Fora ela a culpada por seu complexo. As velhas frases ainda ecoavam por sua mente: "Meu filho é a criança mais linda do mundo! Um dia, quem sabe, será presidente de uma grande companhia ou até do país!"

Era óbvio que a mãe era míope. Ele era feio. Sempre seria feio. Chegava a assustar as crianças na rua. Mas, a mãe continuava achando-o lindo. O "lindinho da mamãe", como ela costumava dizer. Todavia, o espelho não mente jamais. E todos os dias ele fitava a si mesmo tentando encontrar algo de bonito. Certa vez, chegou a idolatrar as próprias sobrancelhas, retas e grossas. Mas, logo concluiu que elas em nada combinavam com o restante do rosto.

Depois de um longo suspiro, decidiu sair de casa e trabalhar. Sua mãe sonhava que ele seria Presidente da República. Ao invés disso, tudo o que conseguira fora um emprego de garçom numa lanchonete da periferia. E, para piorar a situação, era obrigado a usar um lindo crachazinho cor-de-abóbora com seu nome impresso em letras garrafais. Quando o pobre homem colocou o crachá no peito, sentiu outra vez as forças abandonarem seu corpo e uma quase irresistível vontade de morrer.

Seu nome, como não poderia deixar de ser, era Narciso!

Giselle Jacques
Enviado por Giselle Jacques em 23/02/2007
Reeditado em 10/09/2010
Código do texto: T390753
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