A nega mais feliz do mundo

A nega mais feliz do mundo

Emengarda Odeolina era mulata das boas, coxa grossa, cabelo cacheado, sorriso branco, samba no pé. Descia a Rua 15 de novembro, a movimentada rua. Com um sorriso reluzente, um vestidinho branco e curto, ela descia. Cheia de sacolas. Quem a visse diria que estava feliz, não, mais que feliz. E claro, um marido fiel e bonito e uma filha linda, não era pra estar?

Conforme ela descia, as pessoas a cumprimentavam, ora com aceno de cabeça acompanhado de um sorriso tipo ‘’é minha obrigação de cumprimentar’’, ora com salvas e perguntas rotineiras, ‘’como vai a menina?’’, ‘’e o maridão?’’.

Emengarda respondia á todos, independente de quem fosse. E nessa longa descida pela pequena, mas movimentada rua, ela viu sua amiga de sacola, Nenerina. ‘’Ei’’, chamou a outra que era magricela e branca, os dentes amarelos, parecia albina. ‘’Qual é?’’, perguntou Emengarda, o sotaque carioca adotado pela paulista. ‘’Vai aonde, nega?’’, perguntou Nenerina, os olhos na sacola da amiga. Continuou: ‘’Compras do mês?’’. Emengarda riu, mostrando sem pudor seus dentes branquíssimos. ‘’Sabe que minha compra do mês precisa ser levada por um caminhão, amiga. Lá em casa a gente não tem miséria, não. A menina come igual um boi, o marido parece uma máquina de comer. Já você’’... Terminou olhando as duas sacolas brancas da amiga quase albina. ‘’E o maridão? O bofe tá bom na cama ainda?’’, perguntou Nenerina com humor, enquanto começavam andar. ‘’Sempre’’.

Elas continuaram a pequena caminhada até a casa de Emengarda, que não se desfazia do sorriso nem que uma bomba explodisse ao seu lado. Certamente ela diria: ‘’Qual é, galera? A bomba já caiu. Não pegou ‘’ne’’ ninguém’’. Emengarda era feliz. ‘’A nega mais feliz do mundo’’, dizia sem rodeios. E parecia mesmo. Feliz, muito feliz.

Nenerina falava alguma coisa sobre lavar roupa com sabão feito em casa, quando percebeu o devaneio de Emengarda Odeolina. ‘’Que foi? Tá pensando o que? To falando aqui ‘’da’’ hora e tu aí, os olhinhos olhando pro alto e esse sorriso aí. Tá lembrando de alguma piada? Conta aí’’. Emengarda riu e parou. Já havia chegado em casa. ‘’Sabe no que eu to pensando?’’, perguntou pondo as sacolas no chão e pegando a chave no bolso traseiro. ‘’No que?’’. Ela riu. ‘’Eu já cheguei em casa e não vou te convidar pra entrar então, só resta a você continuar o seu caminho’’, disse zombando. Nenerina, a branquela, riu. ‘’Sabe que eu gosto de tu, né Emengarda? Mesmo o seu nome sendo r-i-d-i-c-u-l-o’’, disse Nenerina virando as costas. Emengarda gritou: ‘’E que bosta de nome é Nenerina?’’.

Emengarda era feliz. Pra começar era linda. Popular. Conseguia ótimos descontos no mercadinho do Perínio, toda a homarada ficava olhando pra ela. ‘’Ah, se você não fosse casada, Emengardinha’’, diziam. E pra completar, ela tinha um ótimo marido, e uma ótima filha. O que mais ela queria? Sim, era feliz.

Entrou em casa.

Tinha outra mulher na cama com o marido.

Fernandes Carvalho
Enviado por Fernandes Carvalho em 01/10/2012
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