Regresso ao passado…

Luísa sentia-se bem naquele recanto do jardim sombreado pela frondosa árvore onde dezenas de vistosos pássaros, em chilreios agradáveis, voavam elegantes espalhando alegria, era uma vida que se desenrolava à sua frente quando a sua, praticamente já tinha passado, pelo menos assim pensava.

A canícula tinha-se abatido sobre a cidade dando um mal estar acentuado a quem se tinha de expor à inclemência do sol tropical, que não poupava nada nem ninguém; Este seu cantinho era o refúgio onde vagueava pelos seus pensamentos livremente até ao tão longínquo Minho, cujas belas paisagens se perdia nos seus sonhos mais dourados.

Tinha ficado de ir ao escritório do Dr. Campos para tratar de alguns problemas relacionados com o seu falecido esposo, mas teria de esperar porquanto não se atrevia a expor-se aos violentos raios solares, embora pouco tivesse de andar.

Apesar de se ter casado por imposição, aquele homem dera-lhe a felicidade de dois filhos muito queridos e uma situação bastante abastada, pelo que não podia regatear ou cobrar nada ao destino, somente o grande amor da sua vida passara ao lado.

Um longo suspiro saíra-lhe do peito, como em alívio da sua alma oprimida por recordações inoportunas, sentiu que era a hora de ir e num repente bem pouco habitual em si, levantou-se e caminhou para um edifício de sete andares bem no centro da praceta. Lá estava o simpático porteiro, um negro de forte estatura, mas cara de menino, que a mimou com a alegria de quem recebe alguém que muito gosta; Era visita habitual deste edifício, propriedade agora sua, mantinha ainda ali o escritório de seu marido, portanto não era de admirar esta recepção.

Entrou no elevador e foi um autêntico suplício a subida até o sexto andar, parecia que sufocava, só quando chegou ao escritório do Dr. Campos respirou aliviada, com o ar refrigerado saído do aparelho de ar condicionado.

Não a demorou muito o Dr. Campos, era apenas para saber em que conta depositaria as rendas dos locatários, que estava incumbido de receber. Luísa rapidamente deu a solução pretendida, dirigiu-se rapidamente para o elevador que a levaria ao solo e aonde iria para o seu cantinho, onde passava normalmente as tardes.

Esperou a chegada e entrou, dentro já se encontrava um senhor elegantemente vestido que a olhou de forma impressionante.

- A senhora me perdoe, mas eu conheço-a.

Olhou aquele homem com atenção, era bem alto e os seus cabelos brancos davam-lhe um tom sóbrio, mas muito elegante, na verdade aquele sorriso não lhe era de todo desconhecido, mas respondeu evasiva.

- Desculpe-me. Mas na verdade não o reconheço embora o senhor seja Português como eu. - A senhora não se chama Luísa Rocha?

- De facto é esse o meu nome.

- Eu sabia que o destino ainda um dia nos juntaria.

O elevador abriu as portas e Luísa saiu apressada seguindo rápida para a saída do edifício. O solícito porteiro cumprimentou Luísa e de seguida em voz vibrante entoou um sonoro: - Um bom dia, Dr. Anselmo Vaz.

Meu Deus era ele, pensou muito agitada.

- Por favor, Luísa podemos falar um pouco?

Parecia que uma tempestade desabara sobre ela tal era a forma como se sentia. Mas tinha de o enfrentar, afinal nenhum deles tinha culpa do que acontecera.

- Anselmo, por favor, já quase passou quarenta anos sobre aqueles momentos tão lindos.

- Então já me reconheceste.

- Sim esse teu sorriso vai morrer contigo.

- E esses teus olhos belos e sonhadores também. Conheci-te logo.

- Não vamos ficar aqui a torrar ao sol. Vamos ao meu cantinho e podemos conversar um pouco.

Caminharam lentamente até ao recanto do jardim onde se desfrutava não só a frescura, mas também o sossego. Faziam um par bonito embora os anos já passados estivessem estampados no rosto e no corpo. Sentaram-se e foi ele que iniciou o diálogo enquanto ela o mirava com interesse e curiosidade.

- Ora diga-me lá linda Minhota o que foi a sua vida longe deste homem que tanto a amou?

- Foi uma simples vida, que se iniciou ao desembarcar de um navio onde um Transmontano me roubou o coração e desapareceu para sempre, obrigando-me a viver uma vida simples com um marido arranjado pela família, com o qual tive dois filhos maravilhosos. Deram-me muito amor, mas o que eu queria nunca o tive.

Anselmo manteve-se alguns momentos contemplativo, acabando por responder:

- Ao ficares no Rio de Janeiro agarrada à tua família da qual dependias, eu fui obrigado a juntar-me à minha em São Paulo, da qual dependia também. Não me foi fácil adaptar-me ao ritmo da grande cidade, vinha de um pacato lugarejo transmontano, somente o trabalho e os estudos me ocuparam e me fizeram esquecer-te. Mas a verdade é que sempre tive a esperança de um dia encontrar aquela menina que me sorriu no Cais da Rocha, quando embarcamos, que comigo fez uma viajem de sonho até ao Rio de Janeiro, foram 38 dias em que dois jovens, na esperança de uma vida nova se amaram, Deus fez-me a vontade e encontrei-te. Também casei com uma mulher que foi tudo para mim até ao dia que Deus a quis levar, hoje vivo com a minha filha e genro que são a minha companhia na solidão em que vivo.

- Curioso, somos ambos viúvos.

- Queres casar comigo?

- Anselmo! Você esta doido. Perdoe, mas tenho muito que fazer.

Levantou-se e caminhou apressada, perdendo-se entre a multidão.

Anselmo por sua vez manteve-se calmamente sentado desfrutando a amenidade do local.

Aquela mulher já fora dele e voltaria a ser porque a amava ainda; Sabia que ela afinal nunca o esquecera. Numa breve prece pediu a Deus: SENHOR obrigado pelo que fizeste ajuda-a a voltar para mim.

Muitos dias se passaram desde este encontro, mas a agitação tomara conta de Luísa já era notória e um dia seu filho mais novo tentou saber o porquê.

- Perdoa minha querida mãe. Mas que se passa contigo?

- Nada filho é do calor que se abateu sobre a cidade, incomoda-me.

- Mãe! Eu conheço-te bem, sei que algo muito importante te incomoda, nunca mais foste ao teu amado recanto acompanhada do teu livro de poesias. Perdoa, mas algo se passa e não é nada simples, por favor confia no teu filho.

- Lucas, lembra de uma história que te contei quando viajei de Portugal para o Brasil?

- Sim lembro mãe.

- Pois bem depois de falar com o Dr. Campos, encontrei esse homem.

- Maravilhoso!

- Maravilhoso nada, ele pediu para casar com ele.

- E então mãezinha vai em frente, todos nós respeitamos a memória do pai, mas queremos a tua felicidade.

- Filho, tenho sessenta anos, teu pai morreu apenas há dois anos. É impossível!

- Mãezinha no amor não existe impossível, se podes ser feliz com esse homem, por favor, vai ter com ele, nós vamos apoiar esse teu lindo amor.

- Nunca farei isso meu filho.

- Porque não mãe?

- Porque não quero.

Anselmo resolveu passar mais uns dias naquela acolhedora cidade que a par de lhe proporcionar uma praia maravilhosa lhe fizera recordar o grande amor da sua vida, não a via, mas sabia que ela estava ali e isso lhe bastava. Depois de almoço habituara-se a ir ao recanto que tanto lhe agradara, parecia que naquele banco estava mais perto dela.

Sua filha, com a qual tivera uma grande conversa no PC portátil dissera-lhe: - Pai! Vai procurar essa mulher e sê feliz, por favor, fica aí o tempo que for preciso, pois eu e meu marido tratamos do teu escritório. Vai dando notícias paizinho. Nós te amamos, nunca esqueças, queremos a tua felicidade.

Sentia uma grande felicidade com este carinho da família e sem dúvida que se algum dia sentira alegria em rever o passado, era agora que ele se apresentava promissor.

Caminhava lentamente para o recanto abraçando um livro de poemas do seu poeta preferido Olavo Bilac, ele descrevia o amor de tal forma que lhe dava a sensação de serem palavras suas para Luísa.

Meu Deus ela está ali.

Luísa lia um poema do livro de Carlos Drummond de Andrade e nem se apercebeu que Anselmo se aproximava.

- A senhora dá licença que me sente ao pé de si?

- Anselmo que fazes ainda aqui nesta cidade?

- Estou à espera de uma resposta ao meu pedido.

- Tu és doido mesmo?

- Sou!

- Olavo Bilac! Lê um poema dele para mim.

- Sim! Se leres um do Drummond para mim.

Por alguns momentos dois poetas, pela voz de dois apaixonados, verteram a sua bela poesia, Luísa levantou-se num repente e disse: - Queres a resposta?

- Quero!

- Foste o meu primeiro homem e quero que sejas o último.

- Meu Deus que felicidade.

FIM.

António Zumaia
Enviado por António Zumaia em 24/02/2007
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