Tudo bem?

Luiz Celso de Matos

Marina encontra-se com Sílvia na enfermaria do hospital; não se viam há dez anos. Silvia, coitada, da cabeça aos pés enfaixados, gemia de dor. As duas pernas e braços, erguidos, amarrados por cordas que estavam pregadas no teto.

Silvia com um enorme sorriso no rosto pergunta:

— Oi, Marina! Tudo bem?

— Tudo bem! Aliás, está tudo otimamente bem. Claro que estaria melhor se eu não estivesse aqui toda estropiada e fantasiada de múmia e com uma coceira enorme no rabo sem poder coçar, mas...

O advogado de Tigrinho vai visitá-lo na cela do presídio, acompanhada de sua linda secretária.

—Oi, Tigrinho! Tudo bem?

— Ah, sim! Qualquer um aqui dentro só poderá dizer que aqui está tudo bem. Este spa é maravilhoso. Recebo a visita de duas loiraças, iguais à sua, todos os dias. Caviar, champanhe... tudo por conta do diretor do presídio. Pena é que tem mais quarenta marmanjos nesta cela onde só deveria ter dez. E, imagine, logo hoje com este calor de quarenta graus o nosso ar condicionado inventou de pifar. Não é engraçado? Mas, tudo bem...Argh!!!

Três horas da manhã, Evaristo, com a bochecha direita super inchada, provocada por um dente de siso inflamado, retirou de seus ouvidos duas ineficazes rolhas de borracha. Não conseguia dormir com a dor de dente e com o barulho do som estridente do apartamento superior. Seu dentista viajara neste final de semana. Primeiro pensou atirar-se do décimo quinto andar, mas achou melhor dialogar com seu vizinho. Levantou-se, enfiou o pé direito dentro de um penico cheio de urina, molhou o tapete novo e esbravejando, colocou um guardanapo de pano amarrado do queixo à cabeça, protegendo o rosto inchado, que sinalizava sua condição enferma na dentição. Olheiras profundas, de pijama listrado, maldizendo sua sorte, apertou a campainha do vizinho. Quando este, totalmente chapado e fantasiado de loira burra, abriu a porta, uma nuvem de fumaça do cigarrinho do capeta cobriu Evaristo dos pés à cabeça.

A bichona olhou o visitante de pijama e foi logo dizendo:

— Pois não, brother! Não é baile de fantasia, mas podes entrar! Entra...entra! Tudo bem, meu camarada?

Quando Evaristo ouviu se estava tudo bem, pensou até no lugar que deveria mandar o hippye, mas calou-se.

Achou melhor puxar o revolver. O maluco berrou: Heeellllllppp! Heeelllppp!

Neste instante ouviu-se um tiro.

Evaristo acabara de suicidar-se.

12/10/2012 20:08

Luiz Celso de Matos
Enviado por Luiz Celso de Matos em 14/10/2012
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