Trajes da noite

Imitei o vento abrindo a cortina que cobria a janela. Um chuveiro de luz banhava a vista. O rio ao fundo se quebrava nas pedras entre margens de grama sumindo no horizonte. Passáros e insetos zuniam no ar quais balões coloridos num dia de festa. As folhas das árvores do pequeno bosque ferviam verdes em busca da luz.

De repente notei que algo se movia na folhagem da margem do lado de cá do rio.

Me parecia agora que uma pessoa se arrastava com dificuldade.

Decidi pular a janela e ir até lá para ver se poderia ser útil em alguma coisa.

Quando o alcancei notei que se tratava de um homem de meia idade, barba por fazer, cabelo empoeirado, roupas esfarrapadas. Enrrolado em folhas, poeira e grama, gemia as dívidas de seu abandono. Parecia vir de muito longe, o cansaço se transformara numa febre de olhos caídos.

Carreguei-o até a beira do rio. Usei minhas mãos como taça para dar-lhe uns goles de água para beber. Respinguei água em sua testa o que o despertou um pouco de seu torpor. De cá olhei minha janela.

Pensei em levar o viandante para minha casa, lá dentro poderia lhe dar melhor atenção. Fui até a janela com êle a balbuciar seus delírios em meus braços e eu então fui lá para dentro em busca de algo no quarto que lhe diminuisse a febre.

Não demorei mais que meio minuto, bulindo numa caixa onde guardava remedios e chás, voltei para a sala. Olhei o sofá não havia vestígios de que alguem passara por lá. Fui até a janela, a cortina sem a ação do vento não se movia; olhei em volta atônito, lá embaixo corriam carros e onibus nas ruas asfaltadas, as calçadas eram varridas pelo andar da multidão.

A noite fizera com que os blocos dos edificios em frente fossem acendendo uma luz após a outra, até ficarem totalmente iluminados por lâmpadas e anúncios multicoloridos.

Peguei um livro em minha estante, desci o elevador do meu prédio, em busca de um lugar onde pudesse fugir do cotidiano e ler. Passei por ruas abandonadas e de pouca iluminação. Praças com jardins e árvores. Mal concebidos canteiros, praticamente serviam de última reminiscencia do que outrora fora a floresta.

Sentei-me num banco de praça e folheei o livro.

Voltei e dormi um sono leve e sem sonhos, quem olhasse veria um sorriso em meu semblante, resultado de uma boa ação.

angela nadjaberg ceschim oiticica
Enviado por angela nadjaberg ceschim oiticica em 26/02/2007
Reeditado em 12/05/2008
Código do texto: T393556
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