Ela queria um cachorrinho

Tarde quente, sol amarelo, nada para fazer.
Olhou a bicicleta e quis dar uma volta. Chamou o namorado preguiçoso que não estava muito interessado.
Brigou, ranhetou até que conseguiu que o cara subisse em outra bicicleta para enfim quebrar o tédio da tarde. Pedalaram por ruas e sombras na cidade quase deserta da tarde de sábado.
Quinze minutos depois chegaram na praça da cidade.
Ela pedalava insegura, com medo de cair e se achando ridícula toda esticada na bicicleta moderna. O namorado vinha logo atrás, meio molenga de sono.
Passaram por uma rua lateral grudada na praça e ela viu os filhotes.
Coisa mais linda. Pequeninos, peludos e com a cara travessa que só filhotes possuem.
Ela queria um cachorrinho.
O último tinha sido levado por uma doença destas que hoje se trata, mas na época custava uma fortuna e levava a maioria dos bichos.
Pararam. O namorado bateu palmas.
Ela esperou ansiosa.
Minutos depois a porta abriu e ela arregalou os olhos de espanto.
Não conseguiu assimilar de imediato o que via e instantaneamente esqueceu os cachorros.
Parado na porta, com olhos brilhantes e um sorriso de parar o mundo, estava o homem mais bonito que já vira.
Ele veio em calças brancas dobradas até os joelhos e sem camisa.
Sem nenhum temor pelo estrago que aquele sorriso podia causar, continuou olhando para ela que agora via o mundo girando e sentia falta de ar.
Ele falou alguma coisa, mas ela não compreendeu. Estava presa nos olhos, no sorriso, no timbre de voz.
Tentou em vão absorver o impacto que a imagem dele causara, mas estava hipnotizada.
Subiu na bicicleta e se movimentou por alguns metros com receio de que o namorado visse o que se passava no rosto dela.
Ouviu alguma coisa sobre "não ser dono dos cachorros, pertenciam à namorada e ele não podia doá-los."
Não importava mais.
Esqueceu os cachorros, esqueceu onde estava, esqueceu quem era.
Quinze minutos depois estava trancada no quarto.
No teto branco, revivia mentalmente a cena. Uma vez, duas. Um dia, dois. Um ano, dez...
Por quase trinta anos guardou o sorriso, o brilho dos olhos e o som da voz.
Hoje dorme e acorda todos os dias nos braços do sonho que um dia sonhou.
O cachorrinho? Nunca ganhou, mas já não faz nenhuma diferença.
Provavelmente os filhotes eram apenas uma forma de dizer que devia esperar pelo futuro.





 
Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 23/10/2012
Reeditado em 23/10/2012
Código do texto: T3948179
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