Cisne Negro

# 1... 2... 3... Respiro fundo. Ainda há tempo de fechar os olhos e me acalmar. Sei que ali naquele salão, o único som que pode ser ouvido agora é o da minha própria respiração. Sei também que a tênue luz azul está toda sobre mim, e que por isso todo o resto está tão escuro. Eu sou o centro das atenções de cinco mil pares de olhos que me encaram na escuridão. O teatro está lotado.

Neste momento, eu sou a criatura mais perfeita do mundo. Um belo e gracioso cisne, com plumas brancas espalhadas pelo corpete apertado que define do meu busto a minha cintura, delineadamente. O resto da fantasia é uma saia de bailarina branca e rodada, deixando minhas pernas fortes a mostra, vestidas apenas pela meia-calça com detalhes brilhantes.Em meu rosto, eu tenho uma máscará cheia de brilho e cravejada de cristais. Com ela, além de perfeita, eu sou misteriosa.

A música começa, e eu a conheço de cor. É o Lago dos Cisnes, a minha deixa. Ao som de um compasso meu corpo se move a dançar. Dançar, não. Flutuar seria a palavra correta, pois meu pés ritmados quase não tocam o chão. Meus passos são executados com esplendor. Como eu já disse, sou uma criatura perfeita. Longe da minha vida real sem sentido. Longe de meus pais alcóolatras, de meu irmão louco e de todos aqueles que zombaram de mim.

Longe dele...

1,2,3. A música se torna mais rápida, e eu me sinto conduzida por ela. Sou uma boneca, sem vida própria, obedecendo a quem me conduz. Quase posso sentir os fios de nylon presos ao meu corpo, pois é só isso que falta para eu virar uma marionete.

Só queria poder sair daqui correndo. Arrancar essa máscara, esses apliques, essas plumas. Tudo muito falso. Mas esse é o preço que se paga pela perfeição.

É quando eu arrisco olhar para minha platéia. Agora que meus olhos se acostumaram a escuridão, e que a luz decidiu enfatizar todo o palco e não só a mim, eu consigo ver muito bem. Os rostos das gordas senhoras da alta sociedade, os ternos de luxo dos varões. É, eu consigo ver tudo. Todos eles tão falsos quanto a minha fantasia.

E é então que eu o vejo...

Ali na primeira fila, olhando para mim. Não está olhando para a minha fantasia, para a minha dança, para a minha máscara. Está olhando para mim. Para o fundo dos meus olhos, tentando ver se ainda existe algo ali que mostre quem eu sou. Dou um giro, obedeçendo a coreografia, mas volto a olhá-lo rapidamente.

E ele sorri para mim.

1...2...3... A música acabou. Mas, será que eu já posso voltar a ser quem eu era? #

Ingrid Flores
Enviado por Ingrid Flores em 11/11/2012
Código do texto: T3980697
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