A ÚLTIMA VIAGEM - (1a. PARTE)

Agenor não voltará mais. Pobre família abandonada. Dona Cremilda, mulher forte, esperou o esposo. Esperou por muito tempo. Um dia ela reuniu os filhos numa assembléia familiar e lhes disse:

— Papai não voltará mais, já passou muito tempo e ele nunca fez isso.

Os filhos, revoltados por serem abandonados pelo pai e o trabalho cansativo da roça, disseram, um de cada vez:

— Mamãe, a senhora deu muita ganja para o papai. Ele saía sempre e só voltava quando bem entendia. Devia ter outra mulher em algum lugar, onde ficou para sempre, esquecendo da esposa caipira neste fim de mundo e dos filhos que só sabiam trabalhar.

Dona Cremilda se agigantou entre os filhos e gritou bem alto:

— Calem a boca, filhos desnaturados. Como é que vão julgar um pai que sempre foi o exemplo da família, esposo bondoso e querido, chefe de casa exemplar e generoso? Não percebem que tudo que temos aqui foi deixado por ele? Voltem já para o trabalho a única coisa que vocês sabem fazer muito bem, e, enquanto amainam a terra pensem nas loucuras que disseram... e peçam perdão a Deus! Vamos, xô para o trabalho. Acabou a assembléia.

Os filhos voltaram ao eito, manejando o cabo seco da enxada e do enxadão que rasga o solo para o plantio em terra fofa. Dona Cremilda, mulher forte, foi para o quarto e pela primeira vez na vida chorou, molhando o travesseiro que pertenceu a Agenor.

Domingo de ramos. Hoje é dia de ramos. Festa religiosa. Faz quinze anos que Agenor viajou e não voltou mais. A fazendola envelheceu. A tulha, a intempérie destruiu. O chiqueiro, que antes chegou a abrigar cem porcos, hoje dá pena de se ver; só algumas estacas esparsas espetadas no chão, e o mato tomando conta de tudo. Um dos filhos trabalha para o fazendeiro vizinho e traz para a mãe os minguados reais que são usados na compra de sal, fósforo, sabão, alguns remédios, óleo de soja e outras coisinhas imprescindíveis. O outro filho e a filha ainda trabalham num pedaço de terra boa, alqueire e meio apenas, pois não vencem estender mais a lavoura. Plantam pouco, a idade vai chegando e tirando as forças do trabalhador. São solteiros ainda e dizem que nunca se casarão. Dona Cremilda toma conta da cozinha, lava as roupas no riacho próximo e ainda encontra tempo de ir buscar lenha no alto onde ainda existe um capão de mato deixado pelo pai. Mas, a doença da velhice vai sempre chegando e Dona Cremilda sofre de quase tudo, inclusive: vista cansada, insônia, dores pelo corpo, pés inchados e tantas outras dores. Já não trabalha mais na roça. Está velha. Como boa religiosa mandou sua filha levar ramos para o padre benzer, para depois queimar quando dos ventos fortes, das chuvadas perigosas, dos raios e trovões. Antigamente a moça ia a cavalo, hoje vai a pé, pois cavalo já não existe mais na fazendola.

Os dois filhos também levaram seus ramos para benzer, ficando apenas Dona Cremilda na fazendola.

Era Domingo de Ramos. Os filhos foram à cidade e aproveitaram para assistir à missa. Depois ficaram na cidade passeando, matando a saudade, pois há muito não iam à Salé. Voltaram à noite. Cansados da jornada de vários quilômetros, só desejavam um café bem forte e cama para uma noite feliz.

Mas... o destino sempre altera os nossos planos. Chegando em casa encontram tudo às escuras e a pobre mãe, já velhinha, sobre a cama antiga queixando de dores. Os rapazes, saem correndo enquanto a irmã zela pela mãe, e vão pela vizinhança até que encontram quem se prontifique e levar a pobre velhinha ao hospital de Salé. Fecharam a casa e rumaram para a cidade num fusquinha velho.

A pobre velhinha internada. O médico preveniu:

— O caso dela está muito avançado, só um milagre pode salvá-la.

E os filhos choraram publicamente, lágrimas sentidas num misto de desespero. Passaram a noite ao lado da cama da mãezinha que a todo instante lhes dizia:

— Crianças, eu não tenho medo de morrer, só quero que vocês jamais se esqueçam de mim nem de seu pai Agenor, ele foi um santo homem. Se ele aparecer um dia, quero que lhes digam que eu o amei sempre, nunca o esqueci por um dia que fosse, e que o perdôo pelo abandono a que nos levou. Alguma razão ele teve. O coração de quem ama não se engana nunca.

Lucan
Enviado por Lucan em 02/03/2007
Reeditado em 02/03/2007
Código do texto: T398824