Sophia: Parte II - Encontro

Sempre fui um homem odiado por muitos. Minhas críticas ferinas publicadas na revista na qual trabalho, são alvos de críticas ainda maiores. Por outro lado há aqueles que me idolatram. Fãs incondicionais, mas nunca me liguei a nada disso. Não suporto hipocrisia e ataco com veemência tudo que cheira a ela. Não me importo se serei agredido na rua por falar mal da novela do momento ou do político "politicamente correto".

Um dia recebi um email de uma leitora que me acusava de ser um homem sem coração. Virou piada em meu círculo de amigos e eu mesmo usava esse título como defesa, com extremo bom humor. Um outro belo dia, porém, querida leitora, sua teoria veio abaixo. Foi assim que pus os olhos nela. Senti um descompasso louco dentro do peito. Imaginei ser o meu até então esquecido coração.

Sophia! A escritora dos milhões. Quem não a conhecia? No entanto, era primeira vez que punha os olhos nela pessoalmente. Sabia que escrevia romances que vendiam como banana na feira (perdoe-me a tosca comparação). Eram recheados de intrigas, traições, mortes, sexualidade e nem sempre com finais felizes. Diziam que muitas vezes relatava a própria intimidade, descrevendo seus envolvimentos com seus amantes.

Um idiota senti-me. Quando pensei em interessar-me por uma mulher assim? Seria antes um prato cheio para uma coluna recheada de sarcasmo e desprezo subentendido. Infelizmente o meu instinto de macho ansioso, sobrepunha-se ao senso de jornalista irônico.

Linda como diziam. Tinha mesmo um brilho que parecia congelar-me os ossos. No entanto, seu olhar demonstrava um tom de indeferença, incredulidade, posso dizer quase tristeza.

Naquele dia decidi-me que precisava aproximar-me dela. Estar com ela a sós. Tentar desvendar-lhe. Parecia impossível encontra-la só. Havia sempre um mundo de gente à sua volta. Vali-me então da minha amada profissão. Agendei uma entrevista. Preparei-me para receber uma desculpa qualquer, como a de muitos, que me evitavam temendo oque eu pudesse escrever sobre eles depois. Para meu espanto ela não tardou em atender-me.

Sentado diante dela, achei que me faltasse voz. Intrigante. Não havia ninguém em seu meio que se destacasse como ela. Sem ser atriz, cantora ou coisas do tipo, apenas por seus livros havia virado uma celebridade.

Senti-me um tolo orgulhoso quando para iniciar a conversa, ela dissera-me que era leitora assídua de minha coluna. Eu retribuí dizendo que já havia lido algum de seus livros. Perguntou-me o que havia achado. Hesitei, procurando certo elogio, mas sinceramente respondi que não era meu gênero preferido. Ela riu gostosamente, dizendo-me que podia mesmo imaginar. Senti-me desconcertado. Situação que eu geralmente causava nas pessoas.

Séria perguntou-me se a entrevista seria sobre sua última publicação ou era pessoal. Devo ter ficado ruborizado. Parecia ter lido meu pensamento, pois a minha vontade mesmo era deixar o profissionalismo de lado e fazer-lhe perguntas íntimas. Meu deus! Por que agia tão tolo? Ela insistiu. Queria saber se especularia sobre a possível realidade de seus livros. Disse que não acreditava em tais coisas.

"Por que?" dasafiou-me. "Acaso não tenho cara de uma mulher ninfomaníaca, fã do dinheiro e de coisas proibidas?"

Recuperei-me e disse não com firmeza. Desfez o sorriso que até então trazia no rosto, mas podia jurar que agora sorria com o olhar e este sim me pareceu verdadeiro.

Entrevistei-a. Coisas fúteis. E sabia que não a enganara. Perguntou-me se publicaria. Disse que de certa forma sim.

Na semana seguinte minha coluna intitulava-se "Um homem de coração". Falava patéticamente, pela primeira vez, de mim mesmo. Falava de nosso acelerado cotidiano, tão articificial.Só lembramos da existência dos nossos sentimentos, quando sentimos nosso coração pulsar forte dentro de nós. Raros os momentos que nos impulsionam.

Frisson geral. Ninguém entendera minha crônica. Exceto duas pessoas, imagino. A leitora que havia chamado-me de homem sem coração e a mulher que dias depois, mais uma vez provou-me a existência do meu órgão vital. Ligou-me querendo agendar uma entrevista. Estritamente pessoal. pensei que fosse morrer, imaginem, de ataque cardíaco!

...Breve uma continuação.