Dia de Espetáculo.

Todos os dias seguem iguais. O velho homem acorda e não escuta nada mais que o ranger da velha madeira do assoalho. Faz seu café, fuma seu cigarro e acaricia o seu velho gato. Ele sabe que o dia será solitário e longo.

Acende as luzes do antigo teatro, começa a limpar o chão do salão, o cheiro do sabão lhe traz lembranças da sua infância, já esquecidas, se é possível lembrar de algo esquecido. Mas ele se lembra da sensação de ter irmãos a sua volta, da comida feita no fogão de lenha, dos olhos de sua mãe, que eram doces e ternos.

Algo corta suas lembranças, como sempre em seu trabalho diário encontra objetos deixados pelo publico do dia anterior, alguns destruídos, outros apenas esquecidos. Esquecidos, talvez como tenha sido a maioria dos seus dias até hoje, esquecido pelos amigos, pela família e também por todas aquelas pessoas que frequentam o antigo teatro.

Ele acende a luz do palco, limpa como fez com o salão, mas não resiste em pensar: "E se eu tivesse sido um ator, ou bailarino, ou até mesmo diretor? Seria a minha vida menos solitária?" Sabe que não adianta pensar nisso, nada mudará de agora em diante.

O relógio avisa, são 11h da manhã, como sempre vai até a cozinha preparar seu almoço, somente seu, não, de seu gato, o companheiro de exatamente 10 anos. Ao acabar de almoçar pensa que hoje é dia de espetáculo tudo precisa estar pronto para às 14h. Levanta-se e termina de arrumar a coxia. Às 14:00hs chegam os atores, ele é simpático, mas no fundo possui um desconforto por aquelas pessoas estarem ali, atrapalhando o seu tão imaculado sossego. Oferece ajuda aos jovens atores e diz que estará nos fundos do teatro se precisarem, pensando consigo mesmo:"Por favor, não precisem de nada".

Nos fundos, ele permanece remendando alguns objetos até o começo da noite, então, ele se levanta, vai até seu quarto, se arruma pois a noite é dia de espetáculo. Às 20h lá está ele, sentado na última fileira, assistindo pela décima vez, poderia inclusive substituir qualquer ator da peça, pois conhece de cor cada fala. Mas isso não o impede que assista e aplauda no fim.

Quando todos se retiram do antigo teatro, ele fecha as portas, passa pelo gato e faz um afago, vai para seu quarto, se deita e momentos antes de adormecer pensa:"amanhã começa tudo de novo,afinal é dia de espetáculo".