SOCIEDADE DOS POETAS MALDITOS

Neste mundo atual, que privilegia a mídia eletrônica, a velocidade da informação, resta pouca oportunidade para o diálogo. As palavras, estes sons articulados pelo aparelho fonador, estão fora de moda, estão “outdated”, como diz Tio Sam. No entanto, ainda existe quem ame as palavras, principalmente as que inovam as ideias, principalmente as que renovam as esperanças quando tudo parece estar perdido. Há quem mude de vida por causa de palavras certas, faladas na hora certa e pela pessoa certa. As palavras transmitem conhecimento, experiência e, acima de tudo, paz. Não a paz no seu sentido político, que consiste na ausência de conflitos sociais, mas a paz na sua dimensão maior, que é a paz de espírito, apesar de toda a beligerância do mundo.

Vivemos o mito da caverna de Platão, numa época de consagração do erro. Pior que isso, numa época em que a mentira é confundida com a verdade, tornando normais as anormalidades sociais. Nada existe de mais nocivo para a posteridade do que os baixos investimentos que são realizados atualmente na área do ensino. As promessas eleitoreiras enganam, mas consolam. O consolo é o déficit orçamentário. Os alunos se resignam, os pais se resignam, os professores se resignam. Se imaginarmos um arco-íris das virtudes humanas, a classe trabalhadora, premida pelos baixos salários, teria a cor violeta, que é a cor que simboliza a resignação. No entanto, resignação não significa desistência, deve ser entendida como o início de um processo de transformação, com base na conscientização política. Ademais, nas regiões mais atingidas pelas desigualdades sociais, muitos eleitores pensam, mas poucos inteligem. A mentalidade insipiente limita o raciocínio e facilita sua manipulação pelos meios de comunicação em massa. Os seus espíritos não conseguem ver o que os seus olhos enxergam. Não são instruídos para criticar a realidade, mas apenas para votar em candidatos virtuais que conhecem pela televisão, sem propostas consistentes, mas com discursos convincentes, que exploram as paixões populares, como o prélio pela Justiça Social. Chamam isso de democracia participativa, à moda tupiniquim. Na era do consumismo globalizado, o cidadão economicamente correto, o “homo economicus” da economia clássica, deve viver deste jeito: comendo “hot dog” e bebendo “milk shake”. Mas como disse o dramaturgo Nelson Rodrigues: “Toda unanimidade é burra.” Com que ardor Pedro detestava a hipocrisia dos demagogos! Se tivesse vivido sob um regime ditatorial, não seria difícil prever o que lhe sucederia.

Pedro havia completado doze anos de idade. Morava com seus pais, mas passava a maior parte do tempo na casa da sua avó materna, que era uma professora aposentada de Língua Portuguesa. Além disso, era também uma poetisa maldita, com seu estilo decadente e reacionário de poetizar. Nas suas composições poéticas, procurava sugerir, em vez de nomear, o seu pessimismo em relação à civilização moderna. Utilizava as palavras como ferramentas para expressar seus sentimentos ao mundo, em vez de condicioná-las ao racionalismo do mundo. O gosto pela leitura era um ponto em comum entre Pedro e sua avó. Passavam horas a fio lendo livros. Ela tinha uma estante repleta de livros de diversos gêneros literários. Alguns tinham suas folhas amareladas pelo tempo. Todo ano Pedro ganhava dela dois livros de presente. Um no Natal e outro no seu aniversário. Sempre ouvia da sua avó que é lendo e escrevendo que se aprende a viver, e que é vivendo que se evolui espiritualmente, quando se está disposto a aprender com os próprios erros. Naquele ano, ganhara dela um livro do poeta mineiro Alphonsus de Guimaraens, por ocasião do Natal, e outro do poeta catarinense Cruz e Sousa, no dia do seu aniversário. Foi a partir daí que Pedro tomou gosto pela poesia. Até então só havia lido livros de romance. Além de ler, passou também a escrever poesias, todas no estilo simbolista. Aos poucos, Pedro foi se tornando um poeta maldito. Os representantes do Simbolismo eram chamados de malditos pelos setores positivistas da sociedade francesa no final do século 19.

A sua avó era sua principal incentivadora. Assim que concluía uma poesia, Pedro pedia a ela que fizesse uma leitura crítica. Os elogios eram habituais, não só a título de estímulo, mas também porque ela ficava admirada com a facilidade que seu neto tinha para escrever versos metrificados e rimados. Seus temas prediletos envolviam o antimaterialismo e o antirracionalismo. Nos anos que se seguiram, influenciado pelo subjetivismo moral da sua avó, Pedro firmava cada vez mais a decisão de não aceitar passivamente como verdadeiros os valores e os comportamentos da classe dominante, até adotar definitivamente a postura crítica de jamais aceitá-los sem antes tê-los analisado e compreendido. A sua linguagem poética era vaga e caminhava na contramão da lógica burguesa, mas não tinha o receio de transmitir alguma mensagem subliminar, que pudesse ser rotulada de comunista, caso um dia publicasse um livro. Não levantava a bandeira do comunismo, nem rasgava a bandeira do capitalismo, antes sonhava com isto: um mundo melhor para as futuras gerações.

Quatro anos depois, Pedro adquiriu o direito ao voto. O seu candidato a Presidente da República foi eliminado no primeiro turno da eleição. No ano em que completou dezoito anos de idade, houve eleições municipais. Naquele pleito, candidatou-se a Vereador e foi eleito. Cumpriu seu mandato e, depois disso, abandonou a política para se dedicar à sua vocação. Em muitos países, a vereança não é remunerada, é um serviço honorífico prestado à comunidade. Durante os quatro anos em que trabalhou na Câmara Municipal, pôde custear o curso de Letras e, no último ano do seu mandato, prestou concurso público para o magistério estadual, no qual foi aprovado, tomando posse no ano seguinte. Era mal remunerado, mas estava feliz. Aprendeu na escola da vida que, neste mundo ocidental, dominado pelo materialismo e pelo racionalismo, um poeta simbolista como ele, com tendência ao Espiritualismo, para manter sua paz interior, isto é, para conviver bem consigo próprio, precisa optar entre ser ou não ser maldito. Depois de muita reflexão, Pedro fez essa escolha.

Carlos Henrique Pereira Maia
Enviado por Carlos Henrique Pereira Maia em 15/12/2012
Reeditado em 02/06/2014
Código do texto: T4036358
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