Otávio não é de Rocha.

Desço do carro sem me preocupar com a rua, com minhas coisas e o porteiro vitalício que já cansei de ver. Subindo à casa ouço vozes e me deparo com uma festinha familiar. Todos me cumprimentam, não muito breve nem usualmente, como se eu fosse a razão pela qual eles pudessem se fazerem ouvidos e interessantes com as suas fofoquinhas e juízos de valor. Deve ser pelo meu aniversário que está perto ou somente estão agradecidos pela ocasião de exercitar a “socialidade”.

A casa estava mudada. Coisa sem muita importância pois todos os móveis eram conhecidos. Verdade que estava bem mais bonita, mas a essência das coisas era igual: as pessoas com as mesmas mágoas, piadas e crueldade que só a intimidade é capaz de conferir-lhes, mas com as roupas e expressões embelezadas; os móveis e as paredes velhos cobertos de enfeites novos; o sofá cor de nada todo rasgado por Vivi, agora era mostarda e tinha uns pezinhos prateados. Tudo perfeitamente explicado por um dia de festa. E por falar em Vivi, cadê ela?

- “Que pele bonita, meu filho! Tá tão mais branca!”

Como de costume, a família não me permite uma ensimesmação prolongada.

-“Otávio, se cuide...”

-“Agora tá a cara do pai mesmo, duas bolas!”

E meu também velho repertório de humor irônico e sensato tão responsável por minhas vitórias e ar de superioridade.

Com as vaidades aguçadas e cansado do carinho e indiscrição da família, vou para o quarto com a tranqüilizadora idéia de intimidade. Abro a porta e vejo Vivi. Por que será que ela está aqui metida no quarto? Lhe observo com euforia e carinho esperando que ela corra para os meus braços, mas ela fica ali, quietinha. Deve estar dormindo...

Entro devagarinho e tento acariciá-la, mas um pulo sobressaltado lhe leva correndo pela varanda. Pronto! Todo mundo ouviu o tumulto! Minha frágil superioridade e intimidade se foram, estou mais uma vez metido nesse cenário!

Na tentativa de salvar o pouco que me sobrou de paz e dignidade, tento me aproximar dela novamente com gestos discretos e amáveis. Não faz sentido ela me tratar assim, logo ela que é louca por mim, que me seguia por todos os lados, e implorava pra dormir comigo... certamente lhe dei um susto grande, coitada!

Me aproximo confiante... filha da puta! Quase me morde! Todos me olham com pena. E dando a última pincelada nessa cena ridícula, me refugio no velho espelho da sala , humilhado, evitando os olhares alheios. Mas o esconderijo é meu pior delator! Imóvel, atacado, despido... vejo o passar dos anos na minha carne flácida, a distância na minha expressão, e destacado pela dessimilitude do que me rodeia, surpreendo minha mente artificiosa tentando me tornar mais um Rocha... negando-os.

Não só Hegel e minhas filosofias idealistas e "cults", tão arduamente construídas na adolescência, caíram por terra, a realidade está fora de mim, me morde, me reclama, acusa a estranheza do que não sou. Os latidos de Vivi reclamavam minha identidade.