Duas Serpentes e uma cobra.

Ele bateu à porta do coronel e, antes mesmo que alguém o atendesse puxou a taramela adentrou e, vencendo o longo corredor com seus passos preguiçosos encontrou outro ser. Era ela, a bela mulher do coronel, feitiço do lar e companhia da cobra. Por sua altivez e valentia, era chamada de serpente loura. Atendeu o visitante, pediu-lhe que esperasse por quem procurava e ofereceu-lhe café e água, ao que ele negou-se a aceitar.

_Basta? Quer mais alguma coisa? Ele não se demorará. Espere-o sentado. Se precisar de algo, simplesmente peça-me.

Uma hora após o coronel chegou faceiro, dentro de um diagonal inglês, duro de goma, que por si só se sustentaria em pé. Chapéu panamá, camisa suada, entrou!

_Meu amigo!

_Coronel, quanta honra! Preciso de um enorme favor seu. Meu garoto fez quinze anos. Precisa de uma casa como a sua para ficar uns tempos. Quer continuar seus estudos. Vim pedir-lhe isso. É muito?

_Que nada! Está concedido o favor. Seremos agora ela, ele eu e a cobra.

_Que cobra?

_Essa história eu conto a ele. Onde está?

_Na fazenda, ainda. Trá-lo-ei na segunda.

_Amanhã? Por que não hoje?

_Preciso preparar-lhe comida, aconselhá-lo, enfim prepará-lo quanto a sua nova morada.

Tudo combinado e ele se foi.

O garoto veio. Belo por natureza, parecia ser já um homem. Esteve diante do coronel e da serpente e só aí soube da cobra.

_Essa cobra é uma jiboia pequenina. Tem apenas seis metros e cem quilos. A mesma idade que você. Só a solto quando não há ninguém em casa. É o meu vigia. Quando eu não estiver por perto, não a toque. Ela já matou dois homens de aperto. Quebrou-lhe os ossos e depois os engoliu inteiros. Não se assuste; jamais a soltarei com alguém em casa.

Passaram-se dois anos. O jovem, vivendo na disposição dos seus dezesseis anos, amou a serpente e esquivou-se de ao menos avistar-se com a cobra. Certo dia, chegando o coronel em casa, avistou os dois fazendo sexo. Voltou-se sem que nenhum dos dois o visse, saiu de casa e retornou duas horas depois. Estava calmo. Ele dormia e a serpente loira cantarolava na espriguiçosa como se farta de amor estivesse.Trazia às mãos a linha e as agulhas de tricô.

_E ele?

_Dorme! Deve estar cansado!

_De quê?

_Acorde-o e pergunte!

_E ele achará coragem para me dizer a verdade?

Seus olhos brilharam, e dela não se ouviu nem a voz. Seu medo apontou para o clímax.

_Que culpa não é? Tão bela serpente que és! Coxas roliças como a cobra, porém muito mais belas. Por quê? Não respondas. Vá com o meu desprezo morar onde queiras! Escolhi viver com a cobra, mas antes preciso soltá-la conosco em casa.

As portas fechadas, casa cheia de gritos, a cobra solta no quarto do jovem e ele a dormir profundamente. Acordou-se com o peso do animal deslizando sobre suas coxas.

_Saia daqui. Você é insaciável, não é? O coronel chega e nos mata. Você sabe que ele é um bicho, não sabe? Desliza sobre o meu corpo como se fosse uma jiboia – disse para ninguém – sem saber ao menos com quem pensava conversar.

De fora, uma voz alta, a do coronel, avisou-lhe que bichos havia, mas no seu quarto. E, acendendo a luz, sentiu dificuldade de desenroscar a cobra do seu corpo e, asfixiado, dormiu sem nunca mais se acordar, entre o resto da embriaguez sobrada da noite anterior e os mortíferos arrochos da cobra.

Ela, além de pavor, preferiu suicidar-se. Fê-lo rápido e sem dó de si mesma. Tomou para si o seu próprio veneno, ajuntando-o ao outro comprado na farmaciazinha do bairro e por tanto tempo guardado a sete chaves, como se adivinhando que um dia usá-lo-ia sem medo algum. Os sobreviventes abraçaram-se e por toda a noite se amaram. Era, uma linda serpente fêmea, pareceu entender a solidão que o adultério havia deixado no coronel e ocupou o lugar da serpente morta, sendo pela primeira vez ela, a outra! o homem, envolvido pela cobra, sentiu a serpente que se fora de seu coração na serpente-cobra que mudou para servi-lo.

A cobra, a única serpente que havia sobrevivido, enterrou-se nas curvas gordas do corpo do velho coronel como que querendo dele tirar a lembrança envenenada da serpente mais bela que se fora.

Mulher e cobra afinal, nunca nasceram para viverem juntas. Não seria neste conto que a história passaria a contar-nos outra verdade. A mulher, quando quer, serpenteia todos os seus instintos à procura do paladar ansioso nas garras joviais de quem ainda nem apenas havia vencido a movediça estrada entre a adolescência e os outros caminhos / estações de um macho.