A última batida

John sobe de novo as escadas de um palco para executar mais uma de suas performances avassaladoras. Ele sabe que vai ser mais uma noite de adrenalina. Mais uma intensa e especial noite iluminada pelos fortes holofotes de um show. Entre os acordes tocados da guitarra distorcida, John se supera. Os fortes riffs o tornam mais firme. Os graves pizzicatos o fazem fluir. Por trás de seu kit de tambores e pratos, ele faz o que mais gosta. Mantém o groove e fraseia quando necessário.

O público grita e acompanha cada sílaba das letras envolventes do repertório. A multidão se move guiada por suas levadas. O grande palco em algum instante se torna minúsculo para seus colegas de banda, que andam trocando olhares enquanto transcendem através de seu rock visceral.

Mudanças de clima seguem nos eternos minutos de show. John olha para frente, mas parece não enxergar mais nenhuma pessoa a lhe observar. Porém ele sabe que o estádio está cheio, pois afinal ele ouve as vozes gritarem por seu nome: John, joga uma baqueta! Agora não dá! Pensa ele enquanto procura se concentrar no arranjo, que por sinal é um dos mais complexos do grupo. Mais alguns riffs, e o suor desce como uma cachoeira por sua face. John agora está em um estado mental superior. Seus sentidos se tornam mais sensíveis e seu tato mais apurado. Ele segura forte em seu par de baquetas, que outrora eram parte de uma grande árvore, e toca como nunca tocou. Seus grandes pratos, metais nobres, vibram com uma intensidade incrível. Seus profundos tambores rufam como um vulcão em erupção. Máquina orgânica! John rola com seus pés nada cansados nas sapatas do pedal duplo. Ele é agora muito mais do que é fora dali...

Dez músicas sem intervalo e chega a hora de seu show individual. As luzes se voltam toda pare ele, enquanto seus colegas de banda caminham para o camarim. Ele transpira inspiração. O brilho do bronze fundido reluz nos olhos de seus súditos, enquanto ele viaja para dentro de sua própria interpretação. Sua forma de toque é única. Ele dialoga com a platéia. Tribais velozes transportam todos os presentes a um cenário selvagem. O som que ele tira das peles penetra nos ouvidos e vão até o coração de seus amantes. Mais alguns espaços de tempo, e ele termina sua proposta. Um som progressivo e crescente o leva a dar a última nota uníssona em seu bumbo e prato. Ele levanta e lança dois pares alternados de seus pequenos pedaços de árvore. O público grita e briga para adquirir os marfins danificados pelos aros. Alguns felizardos conseguem garantir essa lembrança, guardando os pares incompletos das baquetas experientes...

As luzes se apagam, agora é John que caminha para trás da cortina. Ele está com sede e cansado, ofegante, porém feliz. Ele ainda quer mais. Prepara-se para voltar urgente para o palco. O público implora. Seus colegas de banda já estão na plataforma apresentando uma versão acústica de uma balada. John está sério. Olha-se no espelho, seca-se com sua toalha branca e caminha em direção a porta. Seu roadie o observa. Tudo aparentemente normal, até tudo doer no corpo de John. Ele tenta se segurar no ferro da porta, mas não consegue. O roadie corre. John segura o peito e não consegue falar. Ele cai. Todos da produção se desesperam. Calma John, respire! Tudo vai ficar bem. Alguém diz confiante. Mas ele parece não ouvir. Não diz mais nada, não vê mais nada. Os paramédicos chegam, mas não há mais tempo. A canção do palco termina. Seus colegas e o público o esperam. Mas ele não vai mais pisar no palco, não naquele. A notícia ultrapassa a plataforma. A banda volta ao camarim e John está lá, estirado no chão gelado. Todos da banda choram quando o paramédico diz: Ele se foi!

Infarto fulminante.

John executou suas últimas batidas no palco sem saber de que seu coração preparava-se para dar suas últimas também. Era o fim de John. Seu último show, seu último solo, suas últimas baquetas jogadas. A apresentação foi cancelada. Os fãs choraram. O mundo chorou. John se foi de maneira triste e as multidões se comoveram. Seus fãs foram embora com os corações nas mãos. Ouve um silêncio e depois um coro emocionado. Cantaram baixinho uma letra composta por ele, que dizia: Sempre haverá motivos para chorar/ mas quando a chuva passar, o sorriso retornará aos corações... Aquele baterista foi embora para sempre. Nunca mais o veremos tocar novamente. Porém sua música continuará em nossos corações.

E naquela noite, entre as lágrimas e os apertos no coração, estavam alguns jovens voltando para casa com suas baquetas nas mãos...

Paulo Maccedo
Enviado por Paulo Maccedo em 09/03/2013
Reeditado em 09/03/2013
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