O gaitista

Quase todas as noites ele estava lá, empunhando sua harmônica, com os lábios deslizando pela escala sonora diatônica. Não havia passante que não era hipnotizado por sua música. Muitos o olhavam, todos o ouviam. Entre os insensíveis que tentavam ignorá-lo, estavam os que amavam seu som. Jovens moças convenciam suas mães a passarem por ali, só para o admirarem. Senhores apreciadores de boas composições, também transitavam pelo beco a fim de absorverem as mágicas melodias tocadas. Meninos rebeldes que vadiavam pela noite a fim de diversão, também gostavam de seus acordes.

Ele permanecia lá, em pé, com uma das pernas escoradas na parede descascada. Suas mãos manuseavam a caixa de gaitas, que eram trocadas conforme a tonalidade e o sentimento da canção. Sua cor era branca, seus cabelos castanhos. Vestia sempre uma jaqueta marrom de couro nobuck, uma boina preta tipo italiana, calças jeans desbotadas e botas Big Boot. Em seu rosto, uma fina armação de óculos modelava seus olhos profundos. A lua parecia iluminá-lo com um brilho especial, enquanto a noite emanava uma brisa quase fria e surreal.

As janelas das casas do beco não eram fechadas. Pelo contrário, permaneciam abertas sempre, emitindo luzes de lâmpadas frágeis e artificiais. Sua expressão sonora parecia não fazer inimigos. A harmonia acalentadora de seus sopros era enigmática a ponto de transmitir uma alegria contagiante e magistral. Entre bends, wah wahs e vibratos, emoções infinitas. Entre vozes, sorrisos e olhares de estupefação, sua música prosseguia em um fluxo mais que intenso.

Em certos momentos, só existia o silêncio por trás seu blues nostálgico. Parecia que ninguém queria falar ou emitir nenhum som que viesse atrapalhar seu repertório. Em horas ativas da noite, enquanto seu som invadia as salas de estar, a impressão era de que tínhamos sido transportados para as velhas ruas do Mississipi, ou que tomávamos alguma bebida quente em algum bar das estradas do Alabama.

Sua caixa de madeira envelhecida, envernizada e arranhada continuava aberta até sua música parar. Nela eram postos trocados suados de trabalhadores, de senhoras aposentadas, de homens, mulheres e jovens comovidos pelo ruído límpido e atemporal de seu instrumento. Ele tocava os corações e exalava poesia. Sua forma lírica de executar as notas era ímpar e seus melodiosos efeitos ficaram para sempre nas memórias.

Talvez todos que o viram, arrependam-se de não tê-lo elogiado. Talvez todos que o escutaram, culpam-se de não tê-lo ouvido mais profundamente. Talvez todos sintam falta da trilha sonora que tornava as noites mais suportáveis. Talvez todos queiram ver e ouvir novamente aquele jovem, porém experiente músico inspirado pelos céus. Talvez todos queiram o avistar novamente atravessar o chão de pedras do beco com sua mala de gaitas na mão...

Paulo Maccedo
Enviado por Paulo Maccedo em 11/03/2013
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