Viagens pelo Ceará II

IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.

PESCARIA E FOTOGRAFIA

Dirigi-me ao local a pé e quando por lá cheguei, perguntei pelo sujeito, e o homem havia acabado de subir a escada do restaurante beira-rio. Escalei a escada e o encontrei numa das mesas mirando as águas.

Fui me aproximando da mesa, e brincando perguntei se por ali havia algum tarrafeiro de plantão. Foi aí que me reconheceu e demonstrou ter sido agradável a surpresa que fiz. Falei da minha decisão de fazer aquela viagem assim de uma semana para outra. Nisso ele chamou o garçom e perguntou o que eu bebia, sabia que ali havia tira-gosto de peixe e caranguejo. Resolvi tomar uma caninha e provar do crustáceo.

Falei que eu pretendia fazer umas fotos no outro lado do rio no dia seguinte e ele, brincando de militarismo disse que estava ali para cumprir minhas ordens, e que eu não me preocupasse nem com o timoneiro nem com a embarcação. O momento era pra gente tomar umas e preparar o plano para o dia seguinte.

Que eu não me preocupasse, estava no Fortim que era sua área e foi me contando numa torrente de palavras porque gostava de viver ali. Aquele lugar era um local perfeito para um homem do mar. O Jaguaribe sempre farto margeando a pequena cidade e o mar aberto bem à frente, como se a cidade fosse um grande navio navegando pelo rio. Gostei da sua descrição e elogiei seu bom gosto e dizeres.

Perguntou-me para que eu queria as fotografias. Falei que era porque eu era metido a artista plástico e gostava desses registros pra história no futuro. Também estava aposentado e por hoje ser viúvo, dispunha de tempo para viagens daquele tipo.

Sem que me perguntasse falei que pretendia passar um mês ou mais viajando, que tinha a intenção de ir até Tabuleiro do Norte ou Alto Santo, fotografando praia rio e sertão, conversando com as pessoas que encontrasse.

Ele achou a ideia genial e pediu mais cachaça. Programamos a pescaria e o material e suprimento que iríamos levar no dia seguinte. Conversamos por mais de uma hora, marcamos para sair por volta das sete da manhã e nos despedimos.

Tive uma excelente noite de sono, as caninhas que tomei e a janta no self-service da pousada me caíram muito bem. Acordei leve e disposto e o pescador chegou bem na hora. Depois do café fomos ao mercantil e em seguida à barranca onde estava a embarcação dele. Após acomodar as coisas no bote, levantamos vela e partimos para o meio do rio.

A brisa estava suave e fria naquela manhã de outubro, mas o intenso do sol e o colorido refletido das águas em movimento dava uma sensação nova como quando a gente começa a cavalgar um grande cavalo em um bom galope. É por sensações assim que aumento o meu apreço por essas práticas antigas e costumo chamá-las analógicas, manuais, rústicas.

Atravessamos o rio e ele aportou a embarcação na outra margem, ainda sob a sombra dos grandes mangues. O que imperava ali era o constante rumor das pequenas ondas batendo na areia e o sussurro do vento nas folhas, entrecortado por distantes cantigas de pássaros.

Dentro do bote havia um baú encaixado na pôpa, onde ele guardava de um lado, farinha, sal e outros temperos. Do outro lado, panelas, talheres facas, tarrafa e linhas com os anzóis enrolados em pedações de madeira. Depois foi que observei outro reservatório no centro que era uma caixa forrada por dentro de isopor para se conduzir o gelo, guardar água potável e os pescados.

Resolvi fazer logo umas fotos do lamaçal de uma das gamboas que fazia um braço de rio ao lado da exuberante vegetação. Foi por ali que encontrei caranguejos pequenos se escondendo em buracos na lama e depois aparecendo. Enquanto isso, ele começou a dar umas tarrafadas. Disse que depois a gente iria usar os anzóis para bagres, camurins e outros peixes maiores, e que eu não me preocupasse. Era por ali mesmo que ele armava o acampamento e que, comida pro almoço e lugar na sombra pra se dormir era o que não faltava. Aquela margem direita do rio era desabitada e qualquer um pescador podia aportar e armar sua tenda, podia até morar ali se quisesse. Mesmo tarrafando ele não parava de dizer da sua satisfação em morar naquele paraíso, estava com uma vida melhor que a que pedira a Deus. Ainda estava com boa saúde, os dois filhos criados e bem empregados no Rio e ele, morava com uma nativa dali mesmo. A mulher era mais jovem, mas lhe entendia e fazia suas vontades. Tinha o seu salário garantido, trabalhara os trinta anos que a lei exigia e agora estava tranquilo.

De repente, dá um grito que me espanta, pensei que ele tivesse se machucado em algum acidente mas que nada, ao me voltar o vi se rindo escandalosamente, pra em seguida dizer que conseguira abraçar com a tarrafa em cardume de pequenas saúnas e que o almoço ia ser supimpa.

Os peixinhos mediam no máximo uns dez centímetros e como eram tantos resolvi fazer uma foto deles ainda malhados na tarrafa. Ele garantiu-me que aquelas saúnas eram saborosíssimas e que ficariam da melhor qualidade, assadas na brasa. Partiu para tratar o peixe e preparar o braseiro. Bebemos aguardente que ele retirou da caixa de isopor da embarcação. Nisso ia dizendo que os sabores dos peixes variavam de lugar para lugar, mudavam de nome e era natural que tivessem sabor diverso, dependendo do que comiam. Falou que sabia tudo isso na prática por causa de sua profissão naval. Tinha sido cozinheiro na briosa e nunca se envergonhou de dizer isso pra ninguém, pelo contrário se orgulhava até. Era uma profissão sempre bem requisitada. Não trabalhava mais como cozinheiro em Fortaleza ou São Paulo porque mesmo não queria mais se cansar, tinha prometido pra si mesmo que quando se aposentasse da Marinha, ia viver daquele jeito e se havia chegado a fase do lazer não queria abria mão de tal mordomia de jeito nenhum.

Obs: Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.

Caso essa seja sua primeira leitura desse conto, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e quem sabe proveito. Atenciosamente

Agamenon violeiro.

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 15/03/2013
Reeditado em 08/04/2013
Código do texto: T4190115
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