DE COMO DINHEIRO NÃO TRAZ FELICIDADE

                    No dia 23 de abril de 1.985, ao mesmo tempo em que era parido Maicon Diecson da Silva, na Maternidade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, vinha ao mundo Luis Augusto de Barros Cerqueira, na maternidade do Hospital Moinhos de Vento, também em Porto Alegre.

            Maicon foi criado no bairro Rubem Berta e não conheceu o pai porque ele havia desaparecido depois de saber que a namorada Lucinéia ficara grávida. Mulher de fibra, Lucinéia trabalhava como faxineira em escritórios no centro da cidade e soube manter o filho longe das drogas e do tráfico do bairro. O menino estudou no Ginásio Estadual Padre Léo e concluiu o primeiro grau quando estava na idade de ir trabalhar, aos quinze anos. Arrumou um emprego de officeboy num dos escritórios onde a mãe fazia limpeza. Ajudou na renda familiar, que, nesta época, já contava com seis integrantes: o avô aposentado, viúvo, a mãe e três irmãos menores, todos filhos de um mesmo pai que havia desaparecido num domingo, depois de um Gre-Nal decisivo do campeonato gaúcho.
               tinha dezenove anos quando surgiu a oportunidade de ser porteiro de um edifício fino, localizado no bairro Moinhos de Vento. Como lhe dissera a mãe, "a sorte ajuda os bons" e a sorte aconteceu com a morte do porteiro do edifício onde morava Dr. Otávio, advogado, cujo escritório Lucinéia vinha fazendo faxina por mais de dez anos.

                         Luis Augusto foi criado no bairro Moinhos de Vento e também não conheceu o pai, morto num acidente de carro na "Ruta 9", no Uruguai, quando voltava de uma viagem a Punta del Este, exatamente dez meses depois do nascimento do filho. Tinha ido participar de um encontro de criadores de gado, proprietários de fazendas no Uruguai. Luis Augusto estudou no Colégio Anchieta, fez pré-vestibular no Universitário e cursou Veterinária na UFRGS. Desde os dezenove anos assumira o controle das empresas e das fazendas do pai, substituindo a mãe e dividindo o tempo entre a faculdade e a administração dos negócios. Com vinte e três anos comprou um apartamento no bairro Moinhos de Vento e se declarou independente da família. Queria aproveitar a vida. Houve protestos da mãe, mas ele sabia o que queria. A vida estava disponível para ele. Tinha noção de que o mundo não lhe reservara limites e, sem qualquer "drama de consciência", expressão comum de sua amiga Carminha, o dia a dia exigia ser vivido.

                    Numa tarde de maio de 2.008, os dois se encontraram. Maicon, vestido a rigor no seu uniforme de porteiro, cumprimentou Luis Augusto quando ele chegava no edifício, por volta das 19:00 hs. Maicon sabia de cor o nome de todos os moradores. Sabia que isto tinha importância, embora nenhum deles desse a mínima importância em ser reconhecido por um mero porteiro. Luis Augusto era morador recém chegado e merecia atenção especial. Maicon tinha ajudado na descarga das malas que acompanharam a mudança e tinha curiosidade em conhecer o novo inquilino.

                                   - Boa noite, Sr. Luis, bem vindo ao edifício.

                         - Boa noite, repondeu Luis Augusto, na forma elegante como costumava tratar a todos.

                        Sexta-feira de folga de Maicon, dia de ver Juciara, filha de Juca Marciano dos Santos e Iara Severo Ribeiro, na Vila Planetário.

                                   Sexta-feira de festa de Luis Augusto, dia de ver Márcia, filha de Victor Mathias di Cesaro Alencastro e Maria Aparecida Albuquerque Heinghantz de Medeiros, no Moinhos de Vento.

                              Maicon passou a tarde da folga lavando e polindo o Fiat 147 para o encontro da noite: havia programado um rodízio de pizza na Vasco da Gama. Com o carro brilhando, Maicon saiu da Rubem Berta, pegou Juciara na Vila Planetáro e aportou na pizzaria da Vasco. Ambiente novo, que mulher gosta de variedades e, naquela noite, Maicon “estava podendo”. Embora percebesse um certo distanciamento de Juciara, Maicon pensou que o encontro, o ambiente e o local inusitado iriram aos poucos fazê-la relaxar.

                                   Luis Augusto pegou Márcia, por volta das 23:00 hs, com a BMW, na frente do Edifício nº 185, da Padre Chagas e levou-a para jantar no restaurante do Hotel Sheraton, como havia conbinado com a turma de amigos. Luis Augusto não percebieu o distanciamente que se instalara entre ambos. Os filés repetidos, as champanhes de marcas famosas, os desserts apetitosos, as piadas graciosas, não tiveram o poder de denunciar ao que o coração de Márcia estava submetido. Luis Augusto estava se divertindo. Márcia disfarçava o desconforto.

                        Aos poucos, Maicon foi percebendo o desencanto de Juciara, a ponto de desistir das investidas no que poderia ser o encerramento do encontro. Aborrecido pelo desinteresse de namorada, sugeriu que fossem embora.

              Aos poucos, Luis Augusto foi percebendo o desencanto de Márcia, a ponto de desistir das investidas no que poderia ser o encerramento do encontro. Aborrecido pelo desinteresse da namorada, sugeriu que fossem embora.

                    Passavam 18 minutos da meia-noite quando Maicon e Luis Augusto entraram nos respectivos carros para levar as namoradas para casa. O clima era pesado. Nada se falaram até chegar nas residências das garotas. Subiram até o apartamento e ouviram:

                    - Temos que conversar. É que preciso de um tempo para rever a relação. Nada contigo, é comigo. Estou em dúvida se é isto o que quero e antes de assumir, quero conhecer outras pessoas, sair mais, cuidar da minha profissão, descobrir meu lado mulher.

                         - Puxa, não estou entendendo, responderam os dois. Achei que estávamos felizes. Que nossa relação estava numa boa. Casamento programado. Formamos um casal legal. Com algumas discussões, é certo, mas nada do que não fosse normal para qualquer relação de namoro. Quem sabe é uma crise passageira.

               - Não, disseram Juciara e Márcia. Já pensei bastante. Melhor a gente se afastar por um tempo. Quem sabe um dia desses a gente se fala, mas agora é importante que a gente não se veja. Quero ficar longe de ti.

                             Maicon e Luis Augusto perceberam que qualquer discussão adicional seria inútil. Tentaram ainda um abraço, mas, ante a recusa categórica, cruzaram as portas e desceram as escadas em direção às ruas.

                           Quando chegaram nas calçadas das respectivas ruas, perceberam que os carros haviam sido roubados, o Fiat de Maicon e o BMW de Luis Augusto.

               Maicon registrou a ocorrência na delegacia do “Palácio da Polícia” e tomou dois ônibus para chegar na Rubem Berta. Parou no Bar do Bigode e passou a noite driblando a tristeza com um copo de cachaça atrás do outro. Quando foi para casa já passava muito do horário de assumir a portaria do edifício na Padre Chagas.

               Luis Augusto pegou o celular e ordenou que Anselmo trouxesse o Porsche e acionasse o corretor de seguro para providenciar no registro de ocorrência do furto da BMW. Já em casa, no 14º andar do edifício residencial no morro Ricaldone, serviu-se de uma dose de Chivas 18 anos, sentou no sofá de couro, com vistas para o Guaíba e curtiu a tristeza do fim da relação com Márcia. Olhou no Tag Heuer e achou que era plausível ligar para Shirley, sua agente de viagem.

                    Maicon acordou por volta das treze horas atordoado com a bebedeira da noite. Mesmo assim, vestiu o uniforme e se dirigiu para o emprego, atrasado seis horas. O diálogo foi rápido e definitivo: devia passar dez dias depois para receber as parcelas rescisórias e estava dispensado de cumprir o aviso prévio.

                              Mais ou menos por volta das treze horas, Luis Augusto embarcava em um vôo da TAM para São Paulo, escala em direção ao Aeroporto Charles De Gaulle, Paris. Ficaria por lá trinta dias, recuperando-se da frustração de ter perdido a mulher da sua vida.

Nelson Eduardo Klafke
Enviado por Nelson Eduardo Klafke em 15/03/2013
Reeditado em 16/03/2013
Código do texto: T4190520
Classificação de conteúdo: seguro